Na sua perspetiva, qual a ligação que os jovens e os estudantes têm com o 25 de Abril?

Enquanto professora, encontro sobretudo curiosidade e interesse em relação a este acontecimento. À partida, o 25 de Abril pode parecer uma realidade muito longínqua para os jovens de hoje. Do ponto de vista estritamente cronológico, é, de facto. No entanto, do ponto de vista simbólico – nos valores e conquistas que o 25 de Abril representou – é um acontecimento que tem implicações na nossa vida e que facilmente se relaciona com o presente e com o futuro. 

Portanto, creio que mesmo aqueles que veem o 25 de Abril como uma realidade muito distante conseguem, quando lhes é dada mais informação sobre o tema, encontrar pontos de interesse na história. 

 

 

Um aspeto curioso é ver como os jovens não têm consciência de que os que derrubaram a ditadura há 50 anos eram jovens da sua idade. Os capitães que se organizaram para derrubar a ditadura e que acabaram por mudar o país eram muito jovens. E quando se apercebem desta realidade olham a história de outra forma e olham também o seu papel e o seu lugar na sociedade de outra forma.

Em todo o caso, creio que devemos manter presente que temos de ser nós a ir ao encontro destas gerações, e não esperar que sejam elas a procurar-nos. É fulcral sermos criativos, dialogantes e proativos na transmissão da história, da memória e do legado de Abril. E tenho visto muitos sinais nesse sentido: tem sido extraordinário ver a progressiva mobilização de toda a sociedade para comemorar a data e contribuir para envolver os jovens nas comemorações.


«Os jovens não têm consciência de que os que derrubaram a ditadura há 50 anos eram da sua idade»

Maria Inácia Rezola, Comissária das celebrações dos 50 anos do 25 de abril

 


A campanha #NãoPodias foi um desses esforços, procurando levar os jovens a refletir sobre algumas das liberdades conquistadas com o 25 de Abril. A iniciativa alcançou o efeito pretendido?

Sem dúvida, e creio que continuará a surpreender-nos. Os conteúdos mantêm-se disponíveis no nosso site e podem ser utilizados por quem tiver interesse. 

A campanha foi desenvolvida pela comissão para, com recurso às plataformas e linguagens que são familiares aos jovens, mobilizar mesmo os menos politizados e menos interessados em temas históricos. Selecionámos 11 direitos que os portugueses só conquistaram depois do 25 de Abril para chamar a atenção de quem já nasceu em liberdade para a importância de não se dar essas conquistas por adquiridas. Votar, Discordar, Beijar, Viajar livremente, por exemplo, eram, há 50 anos, atos muito diferentes do que são hoje. 

A campanha tem percorrido um caminho muito interessante, e assumido diversas formas, em iniciativas dinamizadas pela Comissão, mas também por terceiros – que era exatamente o que pretendíamos quando disponibilizámos estes recursos.  

 

 

Que outras ações são destinadas a jovens ou estudantes, durante as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril? 

O mote das comemorações em 2024 é “50xTodos”, porque celebramos 50 anos de Liberdade e de Democracia, e porque todos têm lugar nesta festa e são necessários ao debate sobre os próximos 50 anos. Nesse sentido, o Programa é diversificado e, inclusive, permanece em aberto, para que todos possam juntar-se e dar o seu contributo. Criámos a Agenda 25.04, uma ferramenta colaborativa que funciona no site da Comissão e permite aos municípios, organismos estatais e às mais variadas organizações da sociedade divulgarem, para consulta pública, as iniciativas que estão a desenvolver. 

No que diz respeito a iniciativas concebidas para os mais jovens, posso destacar, por exemplo, a Campanha «A minha Liberdade é de todos», que desafia todos a transformarem o lápis azul usado pela censura num símbolo da liberdade de expressão, e a cocriarem um mural digital que será tornado público em Abril. No site do projeto, os participantes podem — em uso pleno da sua liberdade de expressão — compor o seu “azulejo digital”. Está a ser dinamizado um roteiro por cerca de 200 escolas secundárias do país, de modo a sensibilizar os jovens para esta importante conquista de Abril. 

 


«Os 50 anos do 25 de Abril são uma oportunidade relevante para a divulgação da história e da memória, sobretudo para as novas gerações»

Maria Inácia Rezola, Comissária das celebrações dos 50 anos do 25 de abril

 


 

 Temos disponíveis no nosso site ilustrações desenvolvidas pelos artistas portugueses Nuno Saraiva, Catarina Sobral, Matilde Horta e Aka Corleone para assinalar a data, e que os jovens podem descarregar e utilizar nas suas redes sociais, por exemplo. 

Está também em curso o projeto de educação para a cidadania e desenvolvimento local «50 anos de Democracia, 50 Assembleias participativas jovens», dinamizado pela MyPolis. Esta iniciativa pretende tornar os jovens em agentes de cidadania, levando-os a transformar os territórios em diálogo com os seus representantes políticos através da constituição de Assembleias participativas. O programa vai levar a Democracia participativa à sala de aula de forma divertida, simples e inclusiva, utilizando recursos e métodos familiares aos jovens, em mais de 20 cidades de Norte a Sul do país. 

Quais os objetivos gerais das comemorações?  

O 25 de Abril é o momento fundador da democracia portuguesa. O seu 50.º aniversário é uma oportunidade relevante para a divulgação da história e da memória, sobretudo para as novas gerações.  

Por essa razão, as Comemorações dos 50 anos do 25 de Abril decorrem num arco temporal longo, entre 2022 e 2026. Cada ano foca-se num tema prioritário, tendo como objetivo global reforçar a memória e enfatizar a relevância atual destes acontecimentos na construção e afirmação da democracia. Assim, o período inicial das Comemorações tem sido dedicado aos movimentos sociais e políticos que criaram as condições para o golpe militar. Este ano, 2024, quando se cumprem os 50 anos de democracia, dá-se uma viragem no ciclo das Comemorações e os anos seguintes desenvolvem-se em torno dos três ‘D’: 2024 – Movimento dos Capitães/MFA e Descolonização; 2025 – Democratização; 2026 – Desenvolvimento. 

 

 

Que fenómenos pensa que influenciam a construção da memória coletiva em relação a momentos históricos como o 25 de Abril? 

Atualmente os meios de comunicação têm um papel central nesse processo – como dizia Certau, a História saiu da escola e “entrou” nos meios de comunicação. Os média (os novos e os “velhos”) são ou tornaram-se numa importante empresa educativa nacional. 

De qualquer forma, o ensino continua ainda ter algum peso na construção da memória coletiva, na forma como a sociedade constrói a sua identidade. E o modo como se ensina a História, a importância ou o lugar que lhe é dado nos curricula escolares, é também determinante. 

Da mesma forma, entre os muitos fatores que influenciam a construção da memoria coletiva, há também que ter em conta o peso das políticas públicas da memória e como os estados assumem, ou não, o dever da memória entre as suas obrigações e deveres.  


«O debate sobre o fim da ditadura e a construção da democracia são ferramentas poderosas para combatermos os perigos da manipulação, da desinformação, da indiferença e do esquecimento em relação às conquistas que a Revolução de 1974 trouxe ao país»

Maria Inácia Rezola, Comissária das celebrações dos 50 anos do 25 de abril

 


Qual é que é a relevância desta comemoração no contexto político atual em Portugal e no mundo? 

Acredito que o diálogo e o debate sobre o fim da ditadura e a construção da democracia são ferramentas poderosas para combatermos os perigos da manipulação, da desinformação, da indiferença e do esquecimento em relação às conquistas que a Revolução de 1974 trouxe ao país. É importante lembrar que essa data simboliza o início de um caminho de profundas transformações económicas, sociais e culturais, que tiveram como motor a democratização e a europeização de Portugal. Devemos também manter presente a ideia de que a democracia está em permanente construção, deve sempre ser preservada e pode sempre ser melhorada.