Só quem tem palas nos olhos é que não entende que o SBSR mudou. E não nos referimos apenas à muito debatida transferência para o Meco. O festival mudou porque se tornou ligeiramente menos hip hop e esse é um detalhe que faz toda a diferença. À 25.ª edição, apenas num dia – o último - o cartaz foi assumidamente dominado por tal estética sonora. Sim, acabou por ser um dos dias mais requisitados pelo público bem jovem e aquele onde assistimos à atuação mais musculada de todo o evento (Migos, já lá vamos). Porém, neste dia também houve espaço para o rock e, logo, para outro tipo de público. Foi a abrir, cronológica e energicamente falando.

THEBLIDERS SBSR IM 9217

 

No Palco EDP, o punk rock dos ingleses The Blinders fez-nos ter esperanças no futuro, tal como no dia anterior acontecera com os seus conterrâneos Shame. O trio formado em Manchester em 2014, quando os seus músicos tinham ainda menos barba do que agora, estreou-se ao vivo em Portugal sem nenhuma cerimónia. 'Columbia', o seu único longa-duração, serviu de esqueleto à atuação com sangue na guelra e que acabaria por seduzir os poucos que, em vez de ir a banhos fugindo do calor, aproveitaram aquela tarde para mergulhar num rock politizado, liricamente muito complexo mas de mensagem "straight in your face". ‘I know you have a poster of yourself behind your bed”, cantou, às tantas, Thomas Haywoo. Verso tão perfeito, tanto para os trambolhos dos influencers desta vida como para os wanna be a estrelas pop deste e de outros festivais. “As martyrs we enter in the arena”, dita outra canção do trio. Vejamos se a banda ressuscitará em breve em palcos nacionais.

Seguiu-se-lhes Rubel, repetente em Portugal, e cuja doçura da denominada nova MPB acabaria por enternecer a assistência. Depois do pão torrado, a manteiga, portanto. Este cantor/compositor trouxe consigo 7 exímios músicos, em palco transformados em simpáticos gnomos de barrete vermelho. Será que entre o público, neste dia bastante mais internacional, havia alguma Amélie? “Quando Bate Aquela Saudade’, “a canção” do suave reportório de Rubel, não foi o único momento que convidou a um afago.

ProfJam 12

 

Igualmente carinhoso em palco esteve ProfJam, este ano promovido à primeira divisão, depois de na edição anterior ter resistido com caráter e profissionalismo a 3 entradas em falso (o som foi-se abaixo) no Palco EDP. Por sentir a prova superada, por aquele concerto ser o corolário de muito trabalho, por querer fazer da sua performance uma “água de coco” num início de noite ainda quente, o músico emocionou-se. A secundá-lo esteve o DJ Mike El Nite e levou consigo amigos/ familiares para assistirem a um momento tão especial na sua carreira. Afinal, ele foi o único artista português a atuar, em todo o festival, no Palco Super Bock. Por isso chamou ao palco “uma pessoa muito importante” ao palco para, num longo abraço e como ele vestida de branco imaculado, cantarem um tema. “Sem esta mulher aqui — a Fátima, a minha mãe —, não podia estar a ver estas pessoas todas à minha frente. Agradeço-lhe a ela e ao meu pai. Da mesma maneira que ela tomou conta de mim quando era pequenino, vou tomar conta dela quando for velhinha. Prometo aqui e gostava que prometessem o mesmo”, confessou.

JanelleMonáe 15

Por muito participativa que tivesse sido esta atuação, lá à frente muitos já estavam sintonizados na estrela pop que, e isso nota-se, um dia sonhou participar em musicais da Broadway. Janelle Monáe, pela segunda vez em palcos nacionais, não é só pop, não é só soul. Também não é Prince, nem Michael Jackson, James Brown, Madonna, Rihanna ou Beyoncé. Mas gostava muito, é bem evidente. Na música, é certo que já tudo se inventou. Ainda assim não há necessidade de sermos lapas dos carismas alheios. As canções de Janelle Monáe são mantas de retalhos de influências. Gabamos-lhe, porém, o gosto musical para as suas colagens sonoras. Ao menos isso. Pena que nos EUA haja tanta rapariga com tão melhores vozes. Janelle Monáe é uma festa em palco, isso damos a mão à palmatória neste concerto de encerramento da digressão de ‘Dirty Computer’. Tem bailarinas hot - executando coreografias do género “vem rebolar comigo no palheiro” – adereços vários (ui, aquele trono), e trocas constantes de guarda-roupa. Aquela calça-vagina, sobretudo vindo de quem advoga a emancipação feminina, é de um mau gosto nunca visto nem na Eurovisão.

E eis que fomos diretos a Masego, no Palco EDP, para descansar os ouvidos com o seu "TrapHouseJazz", nas palavras do próprio músico de sangue jamaicano e nome sul-africano. Sim, foi uma bênção ouvir as canções do seu único álbum até ao momento, ‘Lady Lady’. E, de facto, havia muitas entre os seus fãs. Mas, o melhor mesmo, ainda estava para vir. Que Migos seria bom, já se previa. Mas que Gorgon City seria excelente, ninguém imaginaria. Pela primeira vez em Portugal, como frisou várias ocasiões com acentuação cada vez mais feliz, esta dupla londrina – aqui em formato live act e com vários vocalistas convidados – arrebatou-nos com o seu house quente do princípio ao fim, sem pausas para selfies ou conversas distraídas. Foi dançar, dançar, dançar, dançar… acho que hoje ainda lá estaríamos todos, se tal fosse humanamente possível. Que pena não terem trocado de palco com os Disclosure, onde já não há um pingo de novidade mas ainda assim com honras de encerramento no Palco Super Bock.

Disclosure 1

Os Gorgon City foram o melhor dos aperitivos para a bomba calórica dos Migos. Quavo, Offset e Takeoff arrasaram com o seu rap e a sua parafernália visual, com direito a pirotecnia e tudo. A multidão foi na onda e pulou e cantou sem descanso. Foi impressionante ver aquele mar de gente suada e rendida, fazendo pó com os pés (até mesmo em mosh atípicos do rap) num recinto tão criticado por isso mesmo. Vénia acentuada. Bem que podem voltar. Fim de capítulo.

AtéBreve 2

(Fotos de Nuno Andrade)