Os cientistas garantem que, afinal, boa parte das espécies daquele grupo, cuja diversidade não tem paralelo entre os mamíferos, já existia antes daquele período da história da Terra. A revelação foi publicada no último número da Systematic Biology, uma das revistas científicas mais prestigiadas sobre Ciências da Vida.

Os ecossistemas terrestres dos trópicos das Américas abrigam mais espécies do que qualquer outro lugar na Terra. O que explica essa extraordinária diversidade? Desde o tempo de Darwin e Wallace que naturalistas e cientistas que estudam a história natural têm proposto várias explicações. Quer pela estabilidade das planícies da Amazónia, ou pelo surgimento de rios que separam populações, as ricas comunidades biológicas do Novo Mundo têm inspirado muitas hipóteses concorrentes. Uma dessas explicações envolve o momento em que as espécies surgiram.

O Quaternário, o período geológico que precede o recentemente reconhecido Antropoceno, testemunhou oscilações climáticas cíclicas de períodos interglaciais quentes e húmidos alternando com condições secas e frias ou glaciais. Enquanto as camadas de gelo cobriam apenas as altas montanhas de regiões tropicais, a mudança das condições poderia ter fragmentado os habitats de várzea, levando à evolução de novas espécies ou especiação.

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Antes do Quaternário
Liderada por Danny Rojas, investigador da Unidade de Vida Selvagem, do Departamento de Biologia e do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da UA, que foi apoiado por uma bolsa de pós-doutoramento da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e pelo projeto Dimensões da Biodiversidade da National Science Foundation (NSF), atribuído a Liliana M. Dávalos, a equipa da academia de Aveiro mostra que as mudanças do Quaternário não explicam a diversidade de espécies de um grande grupo de morcegos nos trópicos do Novo Mundo.

Em vez disso, garante Danny Rojas, “a especiação aumentou juntamente com adaptações permitindo que um subgrupo desses morcegos pudesse comer frutas que outros morcegos não conseguem perfurar”.
Os autores do estudo examinaram as mudanças na especiação num grupo de morcegos do Novo Mundo conhecidas como noctilionoídeos, nome dado devido ao nome científico do morcego-pescador. Os morcegos noctilionoídeos das Américas compreendem cerca de 20 por cento das espécies de morcegos do mundo.

Além de um bom número de espécies que, como a maioria dos morcegos, se alimentam de insetos, os morcegos noctilionoídeos incluem o morcego-pescador, morcegos vampiros, morcegos carnívoros e até morcegos que se alimentam de anfíbios, morcegos que polinizam flores e muitas espécies especializadas em comer frutas diferentes. Esta diversidade ecológica não tem paralelo entre os mamíferos.

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O investigador Danny Rojas e um morcego noctilionoídeo

Espécie abundante e bem difundida
Nas ilhas das Caraíbas e nos trópicos continentais do Novo Mundo, os morcegos noctilionoídeos são abundantes em florestas, savanas, desertos, planícies e montanhas. A sua presença difundida e grande abundância fazem destes morcegos um excelente grupo para examinar a hipótese do Quaternário.

Para determinar se a mudança climática ocorrida durante o Quaternário foi uma explicação pertinente, era importante descobrir a distribuição geográfica das espécies ancestrais. Os autores utilizaram sequências de DNA e modelos de evolução para estimar árvores evolutivas. As árvores, juntamente com modelos de como as espécies evoluem de forma a atingir diferentes regiões geográficas, permitiu aos autores calcular as probabilidades das diferentes espécies ancestrais viveram na América do Sul, nas ilhas das Caraíbas, ou na América Central e América do Norte.

Os cientistas descobriram que a capacidade dos morcegos para chegar a novas regiões, ou dispersão, era muito mais importante para a especiação do que quebras entre as regiões, um processo conhecido como vicariância. A maioria das espécies ancestrais das espécies vivas hoje tinha alta probabilidade de ser sul-americana, tornando os morcegos noctilionoídeos relevantes para perceber se o Quaternário foi um período crucial para a especiação nos trópicos do Novo Mundo.

Usando as mesmas árvores evolutivas, os autores modelaram como a especiação mudou neste grupo de morcegos. Se o Quaternário foi importante para a formação de novas espécies, muitas mais espécies se originariam durante este período do que o esperado com uma única taxa de especiação ao longo do tempo. No primeiro conjunto de testes, os autores determinaram o número de eventos de especiação antes ou durante o Quaternário que deram origem a espécies vivas hoje.

Dezenas de cenários testados
A equipa de Danny Rojas descobriu que mais eventos de especiação desses morcegos ocorreram antes do Quaternário do que durante este período. Para se certificarem que esse resultado não foi uma anomalia estatística, eles simularam dezenas de cenários alternativos de especiação e extinção, percebendo que não é possível recriar o padrão observado com uma única taxa de especiação. Posteriormente, os autores modelaram diretamente como as taxas de especiação mudaram ao longo das árvores evolutivas. Estas análises mostraram que as taxas de especiação aumentaram quase 50 por cento, com a evolução de um subgrupo de morcegos há cerca de 18 milhões de anos atrás: a subfamília Stenodermatinae.

Esta nova análise testa uma explicação comumente invocada para a biodiversidade nos trópicos das Américas, a hipótese do Quaternário. Em vez de apoiar este mecanismo, os resultados identificam os morcegos stenodermatíneos como um grupo com taxas de especiação excecionalmente altas.

Estudos anteriores apoiados pela NSF têm mostrado que os morcegos stenodermatíneos apresentam uma arquitetura especial do crânio que permite grande força na mordida apesar do tamanho pequeno, juntamente com receptores olfativos associados com seus hábitos frugívoros. Investigações que examinam a Árvore da Vida dos morcegos noctilionoídeos a partir de várias dimensões descobrem que características especiais que evoluem devido à seleção natural explicam melhor a especiação do que determinadas épocas geológicas.

Como parte de sua investigação de pós-doutoramento, Danny Rojas está agora a investigar como é que a dieta e as adaptações às mudanças climáticas moldaram a evolução deste grupo interessante de morcegos.

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