Olga tem 28 anos e desde cedo encontrou no voluntariado uma maneira de se expressar e de fazer o melhor pela sua comunidade. Sem perspetivas de emprego no seu país, quando terminou o seu mestrado em design gráfico, viu no SVE a oportunidade que queria para sair da sua zona de conforto e para lhe abrir novas portas para o futuro. No final acabou por querer ficar em Portugal e hoje vive na cidade do Porto, onde está a tirar o doutoramento e onde continua ser uma peça ativa na comunidade.

Quando e porque é que começaste a fazer voluntariado no teu país?
Em 2005 no meu primeiro ano na faculdade conheci o BEST (Board of European Students of Technology), uma ONG (organização não-governamental) de estudantes de tecnologia que tem vários ramos em toda a Europa. Juntei-me no seu início e rapidamente fiquei membro da comissão executiva, onde ajudei a desenvolver a organização e a torná-la visível. Ao mesmo tempo, juntei-me a um grupo de voluntários numa outra ONG na cidade onde vivia, o Centro de Voluntariado de Vojvodine. Descobri-os por uma amiga minha que um dia me disse "Tenho uma coisa interessante para partilhar contigo, vem comigo a uma reunião". Perguntei onde é que íamos e ela disse "Vais ver, vais conhecer gente fantástica e um sítio ótimo". E eu disse "Ok, vamos lá conhecer pessoas simpáticas e ver o tal sítio fantástico" (risos). Fui então à primeira reunião desta organização, que estava a ser criada naquele momento. Ao início não percebia do que eles estavam a falar, mas fiquei bastante impressionada com a sua proatividade e com a sua maneira de pensar. Portanto decidi ir outra vez e outra vez e foi desde daí que comecei a fazer voluntariado.

Falando apenas do Centro de Voluntariado de Vojvodine, o que é que fazias nesta organização?
No Centro preparava campanhas de rua de sensibilização para a sustentabilidade e para as alterações climáticas. Ajudava na logística e cheguei a desenhar autocolantes para a Conferência do Clima da ONU na Polónia. Também participava e coordenava workcamps. O primeiro que coordenei foi em 2006, numa pequena cidade, onde fizemos atividades para crianças entre os 3 e os 6 anos relacionadas com artes, música e atividades físicas. O outro workcamp que coordenei foi noutra cidade e neste pintamos um parque infantil que precisava de ser remodelado. Organizámos também atividades locais com os habitantes, como por exemplo uma competição para cozinhar a melhor sopa de peixe.

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Por que razão achas que era necessário fazer voluntariado na tua comunidade e quais eram os principais problemas que vias?
Havia sempre desafios e alguns problemas! A minha geração comparada com a geração mais velha ainda tinha alguma mente aberta, mas faltava respeito pelo ambiente e a situação acabou por piorar. Os meus colegas não se preocupavam em ser ativos, apenas se começaram a preocupar quando se aperceberam que fazer voluntariado era bom para por no currículo. Eu queria ser ativa na comunidade e quando comecei a estudar soube que era isso mesmo que queria fazer. Entrei para o Centro para me sentir útil e tudo o que fazíamos fazia-me sentir que estava a melhorar a minha comunidade.

Sentias que a comunidade conhecia esta ONG e via-a como uma vantagem?
O Centro de Voluntariado de Vojvodine conseguiu alguma visibilidade, pois, além de ter criado uma rede de networking bastante alargada, fez bastantes coisas e por isso ganhou credibilidade e mais pessoas vinham até ela. O facto de mudar de localização algumas vezes não ajudava muito a encontrá-la, mas diferentes gerações passaram por esta ONG, especialmente porque as atividades dos workcamps eram para várias comunidades. Não aconteciam apenas na região onde eu vivia, organizavam-se também nas regiões do sul da Sérvia e por isso era para todos: jovens, adultos e até pessoas mais velhas podiam candidatar-se e participar. Nas campanhas de rua também conseguíamos reunir muita gente. Numa das campanhas que organizei consegui reunir cerca de cem pessoas.

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Foi por esta organização que ouviste falar do SVE?
Sim. Em 2007, o Centro de Voluntariado de Vojvodine conseguiu a credencial para receber voluntários do SVE, e foi aí que conheci o projeto. Começamos a receber voluntários dois a dois e quando se iam embora, vinham sempre mais dois voluntários.

O que te levou a fazer SVE?
A certa altura a minha motivação no voluntariado mudou. Quando começas a ser cada vez mais ativa, continuas a pensar em fazer algo pela comunidade, mas começas também a pensar mais em ti, a querer aprender mais e a querer desenvolver-te a ti própria. Depois, quando terminei o meu mestrado queria fazer uma pausa para ver quais eram as minhas opções. Sabia que na minha cidade não iria arranjar trabalho facilmente, e além disso queria ter uma experiência profissional à parte do meu curso, mas que também pudesse ser complementar. Foram estes os motivos que me levaram ao SVE.

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O que te levou a escolher Portugal?
Tive a oportunidade de participar numa Formação de Formadores que se passou em Sintra e foi a melhor formação que alguma vez fiz, pois abriu-me os olhos por completo, levou-me a sair da minha zona de conforto e durante esses dias parecia uma esponja a absorver conhecimento. Foi aí que conheci o Sérgio, presidente da Dínamo, que me explicou muitas coisas sobre esta ONG em Sintra. Apercebi-me que havia a oportunidade de poder fazer parte desta organização e fiquei bastante curiosa com o que me podia trazer, por isso escrevi-lhes uma carta de motivação e eles disseram que estavam interessados. Para mim era importante fazer SVE em algo que fosse do meu interesse e onde conhecesse as pessoas e o ambiente, por isso tive bastante sorte em ter tudo isto, pois a maioria das pessoas não tem a oportunidade de conhecer o sítio para onde vão antes de irem para lá pelo SVE. Se não tivesse encontrado a Dínamo antes, provavelmente teria escolhido outro país.

Quanto te candidataste, foi complicado tratar de toda a burocracia com a organização de acolhimento?
O primeiro contacto foi com um dos membros da Dínamo que coordenava o programa na associação. Ele foi bastante compreensivo e flexível com as coisas. A parte mais complicada foi mesmo obter informações sobre o visto de residência, sobre os custos e sobre o procedimento.

No início ficaste nervosa por deixar a tua cidade, a tua família e para ir para um sítio tão longe?
Não sabia o que iria acontecer, pois nunca tinha estado tanto tempo longe de casa, o máximo tinha sido três meses. Não sabia bem o que me esperava, o que havia de guardar na mala (risos), como me preparar, mas sou bastante flexível, por isso acabou por correr tudo bem! A minha família apoiou-me muito, pois eles sabiam que era aquilo que eu queria mesmo fazer, que gosto de viajar e que gosto de novas experiências. Claro que a minha mãe ficou assustada, é normal (risos).

Quando chegaste à Tapada das Mercês, sítio onde fica a Dínamo, qual foi a tua primeira impressão?
Quando cheguei senti imediatamente a diversidade cultural! Na minha cidade, apesar das várias nacionalidades, todos se vestem de igual e todos parecem iguais. Na Tapada via mais cores, via as pessoas a preparar milho nas ruas, as mulheres que o vendiam... Não sabia que vendiam milho, pensava que estavam a prepará-lo para as suas famílias, mas depois percebi que estavam a vendê-lo para sobreviver. Foi bastante diferente em relação às cores, aos cheiros, aos edifícios, ao barulho!


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E quando chegaste à organização de acolhimento como foi conhecer os restantes membros?
Depois de ter falado com o Sérgio, quando imaginava a Dínamo, imaginava algo grande. Mas quando cheguei, percebi que era algo mais pequeno, composto por apenas quatro pessoas. Não foi dececionante, apenas diferente do que imaginava... Todos eles ficaram entusiasmados quando cheguei e foram bastante simpáticos, amigáveis e atenciosos. Em pouco tempo tornaram-se família! Um dos aspetos positivos do SVE é que te dá bastante liberdade para teres o teu tempo e para fazeres as tuas coisas. Mas ao mesmo tempo és bastante dependente das outras pessoas, especialmente com tudo o que seja burocrático e administrativo. Para mim isto foi algo novo, mas correu sempre tudo bem! Sei de outros voluntários do SVE que tiveram algumas dificuldades em ultrapassar alguns desafios com os membros das organizações onde estavam.

O que é que um SVE faz assim que chega à organização de acolhimento?
No dia em que cheguei fui à Dínamo pela primeira vez para dizer olá e conhecer o espaço. Nesse dia acabamos por almoçar todos juntos e essa foi a parte mais interessante. Estava bom tempo, por isso trouxemos tudo cá para fora e almoçamos no parque lá ao pé. Conversamos, rimos, foi muito engraçado! Porém ao mesmo tempo foi estranho fazer esta refeição na rua durante o dia, quando as pessoas da Associação Islâmica usam aquele espaço para rezar. Eles olhavam para nós e achavam tudo muito estranho (risos). Foi aí que comecei a conhecer melhor as pessoas e as tradições daquele sítio. Estes primeiros dias de SVE foram os melhores! Tínhamos sempre estes momentos de pausa, em que toda a gente saía dos computadores e nos juntávamos para comer e para conversar. Nesses momentos pude conhecer melhor a comunidade.

Em termos de trabalho, quais eram as tuas principais funções?
Primeiro tinha que conhecer a estrutura da Dínamo, os seus projetos, ler tudo sobre a sua estratégia. Na altura o Sérgio estava encarregue de fazer os relatórios finais dos projetos que estavam a terminar, por isso pediu-me ajuda para fazer o layout. Esta foi a minha primeira tarefa concreta e passei horas na Dínamo apenas a fazer isto. Foi engraçado porque empenhei-me mesmo naquilo e não parei enquanto não acabei. Quando chegou a outra rapariga para fazer SVE na Dínamo, queríamos fazer alguma coisa juntas e tivemos a ideia de criar workshops de inglês. Também participamos no evento local Tapada em Festa, onde organizámos a banca da Dínamo. Na Escola da Leal da Câmara de Rio de Mouro organizámos o Dia dos Direitos Humanos. Havia muita coisa administrativa, mas havia também estas atividades mais dinâmicas.

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Na Tapada das Mercês, sendo um sítio bastante multicultural, não tinhas apenas a barreira com a língua portuguesa mas também com a língua de países africanos. Como foi lidar com as duas?
Apesar das aulas de português que ia tendo, devido à barreira linguística, às vezes recebia a informação muito mais tarde, ou não a recebia de todo e por vezes era complicado. Um dos voluntários da Dínamo, de origem africana, tentou também ensinar-me algumas palavras em crioulo, mas eu simplesmente não percebia nada (risos). A melhor parte era quando ficávamos os dois durante horas a tentar explicar uma frase um ao outro, como quando eu tinha que explicar o que é que precisava dele (porque ele era programador e eu designer). Então íamos ao Google tradutor e escrevíamos aquilo queríamos dizer (risos).

E no dia-a-dia, por exemplo ir às compras era difícil?
Se eu visse os ingredientes que estavam na caixa, não era tão difícil. Mas se na embalagem não tivesse nada e não se parecesse com nada que alguma vez tivesse visto, então aí simplesmente improvisava (risos). Havia muitas coisas que eram diferentes. Por exemplo, na Sérvia temos uma coisa que se parece com grão-de-bico, mas muito salgado e muito amarelo. Nunca tinha provado diretamente da lata como há cá.

Quando não estavas na Dínamo como é que passavas os teus tempos livres?
Sou uma pessoa que gosta de aproveitar o dia! Havia um café em Sintra onde ia muitas vezes e aí conheci pessoas que estavam na pousada lá ao pé. Além dos passeios, esta era uma das coisas de que gostava muito em Sintra. Também ia passear para Lisboa, mas à noite saía pouco. Nunca ia para festas malucas, pois para mim o SVE era mais uma experiência profissional. Claro que divertir-me também era parte dessa experiência e fiz alguns amigos ao longo do caminho, mas estava mais virada para a minha auto-capacitação.

Apesar de teres sempre gente à tua volta, havia dias em que sentias a vontade de regressar a casa?
Sim, isso acontece sempre. Em experiências de SVE de longa-duração, tens sempre momentos em que estás mais bem-disposta e outros em que estás mais em baixo. Quando isso acontece sentes sempre saudades de casa, ficas com medo de não saber o que te espera quando regressares ao teu país, medo que as coisas mudem. Houve uma vez que me senti mesmo em baixo e foi bastante duro, nesses dias comecei a sentir ainda mais a falta da família e dos amigos, as conversas pelo skype passaram a ser mais longas... Mas tive a oportunidade de ir a casa durante duas semanas em Fevereiro a meio do SVE e isso foi bom!

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Depois da experiência, como foi fazer SVE em Portugal e quais foram as principais dificuldades que sentiste?
Em termos monetários, o dinheiro extra que dão no SVE costuma ser sempre igual, mas no meu caso tive sorte, porque a minha organização de envio deu-me também cartões para os transportes e dinheiro para a alimentação. Chegava perfeitamente para viver, porque as restantes despesas eram pagas pelas duas organizações. O que foi difícil para mim foi lidar com a parte burocrática. No meu país a burocracia administrativa é bastante exigente, mas também aqui, para tentar organizar alguma coisa, demorava imenso tempo. Outra dificuldade era o facto de, sendo a Tapada uma comunidade pequena, era sempre um desafio levar as pessoas a tornarem-se mais ativas. Ao início tudo isto foi cansativo, mas com o tempo aprendi a ser paciente e tolerante.

Quais foram os aspetos que mais te marcaram no SVE?
O que mais gostei foram as pessoas, o ambiente, a oportunidade de aprender, o facto de as pessoas terem sempre paciência e tempo para me mostrar coisas novas, de me darem a oportunidade para poder fazer algo. A minha experiência no SVE foi bastante enriquecedora, pois noutras ONGs por vezes és apenas mão-de-obra, onde te dão tarefas em que não precisas tanto de usar a cabeça mas apenas as mãos. Mas na Dínamo deram-me a oportunidade de apreciar novas perspetivas e de participar em novas experiências. Era um ambiente tipo parque infantil, onde podia fazer muitas coisas! Assim não me sentia obrigada a estar ali, estava ali porque me sentia bem e isso é muito importante.

E isso mudou a tua maneira de ser?
Sim, tive a sorte de me ter mudado de uma maneira positiva. Porque algumas experiências de SVE podem ser totalmente opostas.

Como está o teu português depois disto?
Depois de alguma prática e de ter mais umas aulas, já consigo ter uma conversa normal com as pessoas locais que não falam inglês. Sinto que já estou a ter uma relação melhor com as pessoas porque já sou capaz de falar com elas em português.

Ainda continuas a fazer voluntariado?
Sim, quando cheguei ao Porto para fazer o doutoramento encontrei uma ONG, a Medestu, da qual passei a fazer parte. Ao mesmo tempo, estou a fazer voluntariado numa quinta pedagógica, a Quinta do Mitra, guiada por membros da ONG Terrasolta. Conheci-os por um trabalho que fiz com eles para o meu doutoramento e desde então sou membro regular todos os sábados.

Um conselho para futuros voluntários no SVE...
Acho que todas as pessoas deviam viver esta experiência! O SVE é uma experiência única, enriquecedora e que te trás novos desafios. É um momento de liberdade incondicional que te dá os meios para te expressares e para aprenderes mais sobre ti própria, sobre quem tu és e o que gostavas de ser. É um processo de longa duração que consiste em muitas descobertas e em muitas horas de interação com novas pessoas, culturas, línguas e ambientes, que te pede um compromisso mas que no fim te dá boas memórias e aprendizagens.

 

O Serviço Voluntário Europeu
Faz parte do programa Juventude em Ação e dá a oportunidade a jovens dos 18 aos 30 anos de ter uma experiência de voluntariado no estrangeiro, na sua maioria remunerada, incluindo alojamento, viagens e transportes. Para ser um voluntário no SVE, é necessário fazer parte de uma organização de envio estabelecida no país de origem, e escolher uma organização de acolhimento num país estrangeiro, consoante a área que a pessoa mais gosta. Esta será a sua casa durante um período de voluntariado de 2 a 12 meses.

Artigo Escrito por Ana Sofia Pereira, estudante de Comunicação Social na FCSH-UNL