Título: O Ano da Morte de Ricardo Reis
Estreia: 20 de setembro
Com: Luís Lima Barreto, Victoria Guerra, Chico Diaz, Catarina Wallenstein
Duração:
128 minutos


Ao longo da última década, o realizador João Botelho tem evidenciado uma tendência para filmar grandes obras da literatura portuguesa. Depois de O Filme do Desassossego (2010) e de Os Maias (2014), em 2017, seria a vez da Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto. Agora, a 1 de outubro de 2020, chega aos cinemas O Ano da Morte de Ricardo Reis, filme criado a partir do romance homónimo de José Saramago.

Nesta mais recente adaptação, João Botelho já explicou que o texto original do Nobel da Literatura “é que manda”. "Os atores são muito bons, mas o decisivo, o personagem, é o texto", disse à Agência Lusa o realizador natural de Lamego, destacando a forma como a obra de José Saramago “leva a Língua Portuguesa ao extremo da formulação” e coloca em evidência a relação entre vários estratos sociais.



Trailer oficial de "O Ano da Morte de Ricardo Reis" (Fonte: Canal do YouTube Cinema em Português)



Outra das características da obra é ser filmada a preto e branco – uma escolha que não se prende apenas com o facto da ação se passar em 1936. De acordo com João Botelho, este será um regresso à pureza inicial do cinema. “O cinema hoje está muito corrompido, por cores, por planos, com três mil planos num filme e cinco mil efeitos sonoros, e ninguém vê nada e ninguém ouve nada”, explica.

 

Um filme, dois poetas

Chegado do Brasil a Lisboa, o heterónimo de Pessoa, Ricardo Reis, hospeda-se no Hotel Bragança, na Rua do Alecrim. Fernando Pessoa havia morrido há menos de um mês e a primeira decisão do viajante é visitar o jazigo de poeta, no cemitério dos Prazeres. É já no quarto de hotel que o fantasma de Pessoa o visita pela primeira vez.

 

José Saramago3

 É este o ponto de partida para a obra de José Saramago publicada em 1984 e que, durante os últimos anos letivos, tem integrado o programa dos estudantes do Ensino Secundário. O romance cruza temas como Literatura, História e Política – “1936 é o ano de todos os perigos”, recorda a sinopse oficial do filme de João Botelho: do fascismo de Mussolini, ao nazismo de Hitler, da terrível guerra civil espanhola ao Estado Novo de Salazar.

Esta dimensão política da obra de José Saramago não foi ignorada por João Botelho. Em 2019, no início da rodagem, o realizador destacou que O Ano da Morte de Ricardo Reis ganha uma nova relevância, no contexto atual: Acho que, nos tempos que correm, estamos a viver umas épocas muito parecidas, muito estranhas, com o regresso dos populismos, nacionalismos, guerras religiosas em que parece que estamos na Idade Média e este texto é atual".

 


Acho que, nos tempos que correm, estamos a viver umas épocas muito parecidas, muito estranhas, com o regresso dos populismos, nacionalismos, guerras religiosas em que parece que estamos na Idade Média e este texto é atual".
João Botelho, realizador


 

 

De resto, o próprio José Saramago, numa entrevista ao Jornal Público, em 2002, destacava como o romance procura “confrontar” Ricardo Reis com as consequências do contexto político de 1936. Isto tendo em conta que o heterónimo de pessoa defende que “sábio é o que se contenta com o espetáculo do mundo”. Na mesma entrevista, o autor explica como lhe surgiu a inspiração para o título e para a obra (ver destaque).

“Pensava já então, e continuo a pensá-lo, que se a alguém o espetáculo do mundo contenta, ao menos que tenha a decência de não chamar sabedoria a essa atitude”, destacava então Saramago, antes de concluir: “Direi que "O Ano da Morte de Ricardo Reis" foi precisamente escrito para mostrar a Ricardo Reis o espetáculo do mundo (de Portugal também) e perguntar-lhe se continuava a considerar sabedoria a mera contemplação dele...




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Saramago: «'Caíram-me' do tecto as palavras "O Ano da Morte de
Ricardo Reis»

Contou, em mais do que uma ocasião, que o título "O Ano da Morte de Ricardo Reis" lhe surgiu num hotel, em Berlim. Pode especificar?

Passaram mais de 20 anos, não recordo o nome do hotel, se alguma vez o fixei. […] Tinha visto em Lisboa um filme ("Anno Domini" não sei quantos, não recordo o nome do realizador) e, não sei porquê, ele veio-me à memória quando entrei no quarto do hotel. Sentei-me na cama para descansar um pouco, deixei-me cair para trás e, nesse momento, "caíram-me" do tecto as palavras "O Ano da Morte de Ricardo Reis". Tinha publicado poucos meses antes "Levantado do Chão" e esta era a primeira ideia que me surgia para um novo livro. A ideia do "Memorial do Convento" veio depois. Se me perguntarem porque não os escrevi pela ordem de "nascimento", direi que me assustou o que os "pessoanos" iriam dizer da presunção deste adventício. O "Memorial" deu-me forças e confiança para arrostar depois com aquele Adamastor...

Entrevista de José Saramago ao Jornal Público (Suplemento Literário Mil Folhas – 27 de maio de 2002 – Entrevista disponível aqui)