Em 2023, o escritor inglês Max Porter publicou uma pequena obra de ficção sobre um estudante que se tornou rapidamente um sucesso de vendas. O protagonista é Shy, um adolescente que, aos 16 anos, tem já um “impressionante currículo de delinquência”, como destaca o diário britânico de The Guardian. Ao longo de cerca de 100 páginas, o romance acompanha algumas horas na vida deste estudante que, afastado dos pais, expulso de duas escolas, acaba por ser integrado pelo Centro Educativo “Last Chance” [Última Oportunidade]

Através de um monólogo interior, a obra dá a conhecer o passado e presente de Shy, as principais tensões e dificuldades. “A substância [do livro] é a turbulência interior do protagonista”, acrescenta o The Guardian, antes de sublinhar: “O autor faz-nos sentir a confusão de Shy, mas também o desespero da sua família em não conseguir estabelecer uma conexão”

 

 

Cerca de dois anos depois, esta história chega agora à Netflix, através de Steve – um filme realizado pelo belga Tim Mielants. A mudança do nome é também indicativa da mudança no foco da narrativa – embora Shy continue a ser uma das personagens, o foco é agora o professor Steve, interpretado pelo irlandês Cillian Murphy, vencedor de um Óscar de Melhor Ator pelo seu papel em Oppenheimer. Esta é a segunda vez que realizador e ator trabalham em conjunto, depois de Pequenas Coisas como Estas (2024).

Vidas em paralelo

O guião de Steve foi escrito pelo próprio Max Porter que viu neste filme a oportunidade de estabelecer um paralelismo entre a vida de Shy, contada no livro, e as próprias dificuldades e desafios enfrentados pelo seu professor. Desta forma, para além de dar a conhecer Shy, o filme acompanha “a luta de Steve para proteger a integridade do centro educativo” em que trabalha e “os seus esforços para tentar evitar o seu encerramento eminente”, tudo enquanto “se debate com a sua própria saúde mental”, conta a sinopse oficial. 

 


Os Centros Educativos em Portugal

De acordo com o site da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, a rede atual de Centros Educativos em Portugal é composta por seis instituições, localizadas em Vila do Conde, Porto, Coimbra e Lisboa. De acordo com o Relatório Estatística Mensal dos Centros Educativos, entre 2015 e 2024, registou-se um crescimento de 13,13% no número de solicitações judiciais para execução de medidas em centro educativo (num total de 68). De acordo com o documento, a 30 de abril de 2024, o número de jovens internados em centro educativo era de 141, sendo que 56,74% se encontravam em regime semiaberto. A taxa de ocupação média dos seis centros educativos em Portugal era de 105,22%. O relatório refere ainda que, desde o início de 2023, foram encerradas unidades residenciais, num total de 30 vagas, uma diminuição de 18,3%. “Face ao aumento significativo de jovens do sexo feminino no sistema de Centro Educativo”, acrescenta o documento, foi necessário criar soluções transitórias numa das instituições da rede. 


Numa entrevista ao portal Deadline, Max Porter explica que a ideia para este filme surgiu, em parte, a partir das reações ao seu livro. Em específico, o autor diz ter ficado surpreendido com o interesse demonstrado por professores ou profissionais que trabalham em centros educativos semelhantes: “A opinião destas pessoas era o que mais me interessava e então tive esta ideia de que poderíamos reescrever todo o livro e virá-lo nos seus eixos para seguir o ponto de vista do Steve”.   

O passado e o presente

Quando questionado sobre a razão pela qual a história de Shy é passada nos anos 90, Max Porter explica que procurou “escrever algo sobre o presente político do Reino Unido”. Em específico, o objetivo passou por focar “a dizimação dos apoios sociais e outras várias infraestruturas e sistemas ao longo dos últimos 15 anos”. “Não queria escrever algo óbvio e achei que a distância iria ajudar – o que acontece se destruirmos este sistema? O que acontece aos jovens se fecharmos estas escolas em específico?”

 

Steve 2

 

Na mesma entrevista, fica claro que a ideia conta com a aprovação de Cillian Murphy. “Acho que o Max [Porter] foi muito inteligente ao focar a década de 90, precisamente para mostrar que tudo isto ainda existe”, contou o ator, antes de concluir: “Os miúdos ainda precisam de interação humana – ainda é necessária uma conexão cara a cara para os conseguir alcançar”