A jovem madeirense, de 22 anos, trouxe a Ponta do Sol até Lisboa, e é no seu novo single, “Este Meu Jeito”, que podes conhecê-la melhor. Elisa Silva é estudante da Escola Superior de Música de Lisboa e ganhou, no ano passado, o Festival da Canção, com o tema “Medo de Sentir”. A artista conta à FORUM mais sobre o seu percurso na música, as suas inspirações, e as novidades que sairão este ano. Elisa, que se considera ainda na fila para entrar neste mundo das artes, diz que é no palco que é mais feliz: “ Eu fico numa espécie de bolha e esqueço-me de que sou um ser humano”.


 

Como descreves esse jeito que é teu? 
São muitas personalidades aqui dentro e é complicado descrever em uma, duas ou três palavras, porque muda todos os dias. Mas acho que sou divertida, atenta aos sentimentos das pessoas, às vezes indecisa, e sou espontânea.

Em que te inspiraste para escreveres “Este Meu Jeito”?
“Este Meu Jeito” surgiu de uma parceria com o MINX, que é produtor e compositor. Eu não o conhecia, e tinha medo de que saísse uma música de que eu não gostasse realmente. Porque como ele não me conhece bem, pode pensar algo que não sou eu. Cheguei cheia de dúvidas à sessão de escrita, começámos a falar, e ele já tinha uma ideia para a música. Queria pôr a frase, com que tinha sonhado, “sou do benfica desde pequenina”, mas foi muito maleável e a frase não tinha de ficar. A partir desse mote, começámos a falar de coisas em mim, que, juntamente com algumas experiências, acabaram por compor a música. Por exemplo, eu sou muito espontânea e começo a falar com pessoas que não conheço bem, tentando deixá-las à vontade. Mas, sem querer, às vezes deixo os outros desconfortáveis, e eu contei-lhe episódios em que as pessoas estavam a falar comigo e diziam: “tens piada, mas és estranha”. Tonta é, também, algo que me chamam desde pequena e que para mim não tem uma conotação má, mas na maior parte das vezes é suposto ter. Começámos a ver palavras que poderiam ser insultos, e que, mesmo sem dizer com essa intenção, podem marcar as pessoas. A partir daí, criámos a música, que fala, basicamente, de uma pessoa que se aceita da forma como é e que mesmo ouvindo esses insultos não quer saber, porque sabe que não é apenas aquela coisa, não é um rótulo. A parte C da música é a minha favorita da música. Digo que sou várias coisas, sempre o oposto uma da outra, e isso é para mostrar que somos humanos, e que todas as pessoas têm muitas coisas polares em si.




Na letra dessa música, dizes “sou Joana d’Arc”. O que é que tu tens de Joana d’Arc?

Sou muito destemida. Existe uma frase da Amália de que eu gosto muito, que é “Sou frágil nas pequenas coisas, mas forte nas grandes”, e revejo-me muito nisso. Porque sou uma pessoa muito sentimental e emotiva com coisas pequeninas, mas para coisas grandes, arranjo uma força que nem sei de onde vem.


Como foi a produção do videoclipe?

Este é muito diferente de todos os meus outros videoclipes. Nos outros era apenas eu e não tinha de assumir papéis, nem ser atriz. Neste, tive de ir buscar um pouco dessa vertente e tentei em todas as personagens pôr algo diferente. Não era para ser tão literal, era para encontrar nas várias personagens algo dentro da personalidade. A padeira, por exemplo, acorda cedo e está ali feliz, mas aquele é um trabalho árduo, e a rapariga que aparece ao meu lado é mesmo padeira.


Para ti, as músicas e os videoclipes devem ser um reflexo da tua personalidade e daquilo que és...

Sim, porque a música, para mim, só faz sentido se eu acreditar nas palavras e se conseguir transmitir a mensagem às pessoas. Tive a sorte de ter uma voz que, em dias bons, consegue transmitir o que quero. Por isso, a minha forma de aproveitar este dom é ser muito verdadeira e passar mensagens, como esta de aceitação de sermos nós próprios.

 


"Para mim, (a música) só faz sentido se eu acreditar nas palavras e se conseguir transmitir a mensagem às pessoas"


 

Neste momento, estamos no espaço da Escola Superior de Música de Lisboa, foi isto que te trouxe até à capital?
Foi mesmo esta escola. Quando acabei o 12.º ano, não sabia o que queria seguir. E desde os 15 anos que fazia imensa música, ia às aulas e depois tinha ensaios, aulas de canto privadas, e durante os fins-de-semana cantava em bares ou em casamentos. Acabei o secundário e fiquei mais um ano na Madeira, a pensar no que iria seguir. Foi nesse ano que entrei para o curso de Jazz no Conservatório de Música, mas nem sei que fator me levou a essa escolha, porque antes disso não ouvia Jazz. Tinha o hábito de procurar músicas no YouTube, e foi numa dessas vezes que cheguei à Ella Fitzgerald e ao Chet Baker. Depois do ano no Conservatório, vim fazer prova na Escola Superior de Música e não passei, só havia duas vagas no instrumento de voz e eu fiquei em 3.º lugar. Na altura, isso deitou-me muito abaixo, pensei em não cantar mais e fui para a Faculdade de Letras, para o curso de Estudos Artísticos, na variante de Arte do Espetáculo. Adorei o curso e as pessoas, só que não era bem aquilo. Eu via como vibravam com as aulas e com as peças a que iam ao fim-de-semana, e eu vibrava a ouvir as pessoas a cantar. Descobri as Jam Sessions e ia a todo o lado sozinha, e ficava lá até acabar, a olhar para os músicos e para os cantores. Achava incrível a forma como aquelas pessoas, sem se conhecerem, faziam música e pareciam um grupo que tinha acabado de ensaiar. No final do primeiro ano letivo, e depois de quase um ano sem cantar, decidi que queria voltar a tentar entrar na Escola de Música. Aqui só havia uma vaga e estava a competir com pessoas da voz e de outros instrumentos, o que era muito mais complicado, mas passei. Lembro-me de que as primeiras vezes que entrava na escola, ficava a olhar para a parede amarela e a pensar que tudo aqui é lindo, maravilhoso.

 

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E que outras oportunidades te trouxe Lisboa, que não terias conseguido se continuasses na Madeira?
Muitas mesmo, por exemplo, assinar com a Warner Music Portugal. Há imenso talento na Madeira mas o mercado de lá é muito diferente do mercado de cá, compor originais lá não tem muito sucesso, porque os turistas querem ouvir covers nos hotéis e não originais. O Festival da Canção foi outra das oportunidades.


Como é que surgiu o Festival da Canção na tua vida? Já conhecias a Marta Carvalho?

Tinha conhecido a Marta poucos dias antes de ela ter sido convidada para o Festival e demo-nos logo bem, reparámos que éramos muito parecidas em algumas coisas. E eu nem queria acreditar quando ela me convidou para ser a intérprete do tema dela. Até pensava que o Universo não me podia dar tanta coisa, já tinha uma, que era estar na Escola de Música. E foi com essa inocência que aceitei logo, sem estar à espera de passar da Semifinal.

 


"Pensava que o Universo não me podia dar tanta coisa, já tinha uma, que era estar na Escola de Música"


 

Isso abriu-te outras portas, houve mais pessoas a conhecerem-te a partir daí...
Sim, na Madeira conheciam-me mas aqui ninguém me conhecia. Lembro-me de ler um artigo em que o título era, “Quem é Elisa, a perfeita desconhecida que ganhou o Festival da Canção”. Eu fiquei muito feliz com esse título, mostrava que ganhei pelo meu mérito e não porque tinha muitos fãs, porque não tinha.


E como é conciliar a vida académica com a vida profissional?

Não é fácil, porque existem horários que quase nunca são compatíveis. Tenho aulas e, ao mesmo tempo, tenho ações de promoção na televisão, ou tenho de fazer videoclipes e gravar, e tudo em dias específicos. Aí, tenho de optar e opto pela parte da carreira, e isso penaliza a escola. Estou mentalizada de que vou levar mais de três anos para concluir, mas quero muito acabar a licenciatura.

 

 

És tu que fazes as capas dos teus singles?
Sim. A primeira aconteceu muito ao acaso, eu estava a gravar o primeiro single, “Coração”, e durante os intervalos desenhava o que achava que seria uma boa capa, mas sem nunca imaginar que seria mesmo. Eles viram, gostaram e perguntaram se eu queria que fosse a capa do single. A partir daí começou a ser sempre assim, o segundo e o terceiro single também fui eu.


Sempre desenhaste e tiveste jeito para desenho?

Eu não gosto de dizer que tenho jeito para desenho, porque não tenho, mas sempre desenhei, é muito terapêutico para mim. Tive influência da minha avó e do meu irmão, que desenham muito bem. Eles inspiram-me muito, e agora eu vejo as capas dos singles como forma complementar de mostrar o que para mim é aquela música. É uma interpretação minha e tem sempre significados e coisas que as pessoas não vão entender, que só eu entendo. E eu acho isso bonito, é como se fosse algo só entre mim e eu.

 

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Dizes que é em palco que te sentes mais feliz, que te sentes tu. Por que é que isto acontece?
Porque eu fico numa espécie de bolha e esqueço-me de que sou um ser humano. Em palco, sou um ser, uma coisa, e as outras pessoas também não são seres humanos, são almas que estão ali a ouvir a música. Por exemplo, com a nossa família nós temos uma forma de estar, com os nossos amigos temos outra forma de estar, na escola, em entrevistas e por aí fora, somos sempre pessoas diferentes. E eu quando estou em palco sou o mais eu possível. Não fico a pensar, “não devo dizer isto”, apenas digo e canto com muita intensidade porque para mim aquele momento é como se fosse o momento mais importante da minha vida. A minha cabeça esvazia-se e só fica a ideia de passar as emoções às pessoas. Por isso é que eu digo que acho que sou mais genuína quando estou a cantar.


Lembras-te de algo que te tenham dito e que te tenha marcado?

Uma vez, ao vir da Madeira, uma hospedeira de bordo reconheceu-me, parou junto a mim, e disse-me, “a música “Medo de Sentir” ajudou-me imenso numa fase menos boa, e eu encontrei muita força nessa música, por isso, muito obrigada. Não podia deixar passar esta oportunidade e queria muito agradecer-te a ti e à Marta”. Eu fiquei sem jeito nenhum, foi um momento que me deixou muito feliz. Quando lancei o “Na Ilha”, recebi inúmeras mensagens de estudantes nas redes sociais. Não só madeirenses, mas também açorianos e outros que estudavam longe de casa e se identificaram com a música. Diziam-me que era o conforto deles quando tinham saudades dos pais e de casa. Ouviam e sentiam que não estavam sozinhos naquilo. Isso marcou-me muito e foi um combustível para continuar a fazer música e a cantar aquilo em que eu acredito.

 


"Em palco, sou um ser, uma coisa, e as outras pessoas também não são seres humanos, são almas que estão ali a ouvir a música"


 

É na Ponta do Sol que tens os teus amigos de sempre e a tua família. Podemos dizer que esse é um local especial para ti?
Sem dúvida, é a minha casa, e acho que toda a gente quando pensa em casa e na família fica com uma lágrima no olho. Esta distância é muito difícil de gerir para mim, se pudesse, ia mesmo a correr até lá. Tudo o que está escrito na letra de “Na Ilha” fui eu que escrevi sozinha. E isso deixa-me muito orgulhosa, porque sou “verdinha” nisto, e, com as saudades de casa, dos meus pais e da praia, estava-me a sair imensa coisa. Faz-me muita confusão estar aqui em Lisboa e só ver edifícios, não conseguir ver água nem mar. Com o tempo, é mais fácil de gerir a distância, mas não deixa de ser um pouco triste, sabendo que para ir a casa tenho de apanhar um avião.

Desde cedo que participas em festivais, como foi o caso do Festival da Canção Infantil “Pequenos-Sóis”. Como eram esses tempos?
Eu participei pela primeira vez com 7 anos e ganhei o festival dois anos mais tarde. Depois disso, participei em muitos, como o Festival Regional Infantil da Madeira e os festivais da escola. A partir do momento em que comecei a cantar, quando havia festas da escola, eu lembro-me de ser sempre a primeira a querer cantar. Antes disso, apenas ouvia muita música, porque os meus pais adoram música.

 

 

Os teus pais influenciaram-te no teu gosto pela música?
Sim, eu ouvia os clássicos, Pink Floyd, Guns N’Roses, AC/DC, também por influência do meu irmão. Só ouvia músicas infantis por causa da escola, e nunca sentia vontade de cantar. Os meus pais só descobriram que eu cantava quando um professor lhes pediu autorização para eu cantar num festival.


Sempre soubeste que querias seguir música?

Sempre soube que era uma coisa que me deixava muito feliz. Quando ia para um palco, aquele era o momento mais feliz da minha vida. Mas nunca pensava se era realmente isso que eu queria fazer. Porque ouvia muitas vezes, principalmente de professores, o comentário: “a música é giro, mas não dá dinheiro. Tu vais estudar, vais ser médica, jornalista, bancária ou cientista, mas música não”. Houve um comentário de uma professora que me deixou um pouco triste. Ela disse à minha mãe, “a Elisa tem potencial, ela escreve muito bem, não deixe que ela vá para música, porque não vai ganhar nada”. E eu lembro-me de estar a ouvir e a pensar que talvez ela tivesse razão, mas a música deixava-me feliz e não percebia por que é que não podia seguir. Lembro-me de perguntar à minha mãe e de ela dizer para eu seguir o que quisesse.

 


"Quando ia para um palco, aquele era o momento mais feliz da minha vida. Mas nunca pensava se era realmente isso que eu queria fazer"


 

Tens alguma música que aches que caracteriza a tua infância?

A Whenever, Wherever, da Shakira. Eu não cantava mas tinha muito jeito para dançar, tinha o movimento de anca. Adorava essa música e nem sei porquê, mas já não a ouço há muitos anos.


Se tivesses de escolher dois pais na música, quem é que seriam?

Estão-me a passar muitos nomes na cabeça. Eu adoro os Beatles, adoro a forma como todos eles escrevem, porque é sempre diferente. Se der, ponho os Beatles todos juntinhos numa só pessoa. Se tivesse uma mãe na música, seria a Ella Fitzgerald.

 

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Achas que é difícil entrar no mundo da música em Portugal?
É muito complicado mesmo. Eu ainda não me considero no mundo da música, estou na fila para entrar. Como eu ainda não me reconheço como artista, é mais complicado que as outras pessoas o façam, por isso vai demorar. Não sei bem quando e como vai acontecer, mas gostava muito que acontecesse.


E novidades para os próximos tempos?

Tenho um álbum para sair em outubro e um concerto, que é o primeiro este ano. Vai ser na Madeira, na Ponta do Sol, a minha terra-natal, com banda, e é para apresentar as músicas do álbum. A verdade é que não está fácil para ninguém no mundo da música e é preciso entender que os espaços estão a abrir, mas é óbvio que abrem primeiro para os que já têm nome, e só depois para os que estão a começar.

 

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O que é que tu gostavas que as pessoas que te ouvem pensassem sobre ti?
Queria que pensassem, “uau, ela parece mesmo boa pessoa, gostava de ser amiga dela, parece fixe.” E que pensassem que sou humilde, porque tento sempre ter os pés muito bem assentes na terra e não me deslumbrar por nada. Tenho uma voz interior a dizer, “isto é fixe, mas tem calma, porque tu não és nenhuma Beyoncé”. Gosto de ter isso presente e é algo que os meus pais sempre me passaram, assim como a não aceitar que as coisas caem do céu, porque não caem.