O Lobo Um Dia Irá Comer a Lua representa uma nova fase na carreira de João Maia Ferreira, anteriormente conhecido como benji price. Neste álbum, explica o artista, em conversa com a FORUM, o objetivo passou por explorar novas sonoridades e expressar a sua “criatividade ao máximo” sem ter receio de sair da sua zona de conforto. Em entrevista à FORUM, o artista falou do que podemos esperar de si nesta nova fase.
Porquê a mudança de benji price para João Maia Ferreira?
Tentando ser breve e conciso, não queria ser o benji price aos 40 anos. Estava a sentir-me desconfortável na pele dessa personagem e queria assumir o meu nome próprio já há muito tempo. Em grande parte, numa tentativa de viver uma vida mais autêntica e de tentar ser mais fiel aos meus princípios e às minhas crenças, não estando retido numa personagem. Basicamente, o benji price era apenas uma faceta de mim. E queria mostrar todas as minhas facetas, ao invés de estar focado numa só.
O primeiro tema que lançaste foi o Gárgulas e começas a música com “Não é preciso ter o nome na entrada”. Esta frase simboliza este “início” como JMF?
Sim, exatamente. Com essa frase, tentei dizer que não é preciso estar a utilizar o meu nome antigo para mostrar o meu valor. Ou seja, se nós pensássemos na música portuguesa como uma festa, quer dizer que não precisaria de ter o nome na “guest list” para conseguir entrar. Quero dizer que não preciso de estar agarrado à minha marca antiga para mostrar que a minha marca atual tem valor e que conseguirei obter as mesmas coisas que já tinha antes.
O que nos podes contar sobre o álbum O Lobo Um Dia Irá Comer a Lua?
O importante é começar logo pelo título. Na mitologia nórdica, o Ragnarok – que é o Fim dos Tempos – é assinalado pelo lobo que come a lua. Gosto dessa ideia enquanto um lembrete da nossa própria mortalidade, da nossa própria finitude, de sabermos que as coisas um dia vão acabar. É importante tentarmos viver a vida ao máximo e de acordo com as nossas ideologias, com a nossa moralidade. Decidi dar este nome ao álbum como um lembrete para mim mesmo e com esperança que seja também um lembrete para outras pessoas. O álbum reflete esses temas. O facto de estar a tentar fazer uma mescla de géneros e sonoridades mostra a vontade de expressar a minha criatividade ao máximo, que não tenho receio de sair da minha zona de conforto. São tudo coisas que tentei cunhar neste álbum e espero que transpareça.
Contas também com colaborações como com Conan Osíris, Alex D’Alva ou João Não. Estás a aproveitar esta nova fase para explorar novos estilos?
Claro! Era uma coisa que queria fazer desde há muito e senti que este era o momento perfeito. O facto de o fazer chamando essas pessoas, que são artistas que não associarias instantaneamente à minha pessoa, vai ao encontro da minha vontade de fazer coisas fora da caixa. Preciso de fazer coisas com pessoas novas, que tu não estarias à espera, como é o caso do Conan, do Alex, do Keso ou do João Não. Fazer músicas com essas pessoas é só mais um dos passos para chegar onde quero chegar, que é a um sítio novo, ausente de caixas de género muito restritivas.
«Estava a sentir-me desconfortável na pele dessa personagem [benji price] e queria assumir o meu nome próprio já há muito tempo»
O rap passou por um grande crescimento ao longo das últimas duas décadas, com a chegada ao mainstream, e tu fizeste parte desse processo. Como é que vês o estado do rap hoje em dia?
O rap está bem vivo e em transformação. Cada vez explora mais estilos diferentes e tenta chegar a sonoridades onde ainda não se tinha chegado. Há cada vez mais intervenientes de enorme talento dentro do hip hop português. Acho que nós estamos, sem dúvida, a ver uma geração que começou há cerca de oito anos a atingir o pico agora. Penso que tu nunca tiveste uma amostra tão grande de talento e com tanto alcance. Hoje em dia é o género dominante, não só em Portugal como no mundo, provavelmente.
Ouves muita coisa além de rap? Sentes que isso é benéfico quando chega a hora de criar?
Claro. É benéfico e higiénico sermos capazes de limpar os nossos ouvidos e o nosso palato com estéticas diferentes, sonoridades novas e, para mim, é absolutamente fundamental que o faça também. Então ouço muitas coisas fora do hip hop e também tento trazer para a minha música o que me inspirou nessas sonoridades diferentes. Por isso é que neste projeto exploro a sonoridades mais disco e de eletrónica francesa, de house contemporâneo ou soul e, obviamente, com o hip hop sempre a colar tudo. Acho que isso é um é um reflexo também do meu gosto e sugiro vivamente a todas as pessoas que também vão explorando coisas novas.
Qual a diferença entre escreveres para ti e escreveres para outra pessoa? Notas alguma diferença?
É uma diferença absolutamente abismal e um estado de espírito totalmente diferente. Adoro escrever e produzir para outras pessoas e é algo que quero fazer sempre, mas não há nada como escreveres para ti. Acho que não há mesmo nada como tu fazeres a tua própria música, pela tua cabeça sem teres de prestar contas a ninguém. É a coisa mais libertadora dentro da arte. Criares para ti mesmo, sem estares sujeito a mais opiniões. Mas é claro que opiniões são sempre boas e são sempre válidas e ninguém vive numa ilha.
Depois de sair o álbum e feito o concerto de apresentação, o que podemos esperar de ti?
Podem esperar mais concertos a tocar este projeto e obviamente, sempre tocando músicas dos projetos anteriores. Mas agora vou estar só focado em promover este álbum, ter oportunidades para o tocar ao vivo e ouvir o feedback. Vou relaxar, tentar focar-me nos projetos de outras pessoas, mas também sempre tentando promover este álbum ao máximo.
«Acho que nós estamos, sem dúvida, a ver uma geração que começou há cerca de oito anos [no rap português] a atingir o pico agora»
Como é que defines a tua experiência no mundo da música até ao momento?
Tem sido tem sido uma caminhada com muitos altos e baixos. Já vi muitas paisagens diferentes e espero ver muitas paisagens mais. Tem sido gratificante e enriquecedor. Tenho tido experiências que nunca teria se não estivesse neste trilho. Tenho conhecido pessoas maravilhosas e talentosas, que me têm dado a oportunidade de pisar palcos, de que a minha música seja ouvida e de que possa partilhar a minha arte e ideias com o mundo. Por isso estou extremamente satisfeito e estou grato que a vida me tenha dado esta oportunidade.