Do curso de Agronomia para vencer o The Voice, passando por outro curso superior de Jazz e Música Moderna. Como foi este percurso?

Tenho os dois cursos a meio (risos). Para já, porque a música aparece numa altura em que estava no curso de Agronomia, o que me obrigou a tomar uma decisão. Tentei conciliar, mas não foi fácil por causa das agendas cruzadas – há coisas que aparecem e tu não queres fazer do “pé para mão”. Acabei por decidir meter o foco só de um lado do jogo. Quanto ao curso de Jazz e Música Moderna, acabei por me desmotivar um pouco no início – é um curso exigente e ainda bem que é – mas sei que iria dar-me ferramentas ótimas. Era difícil chegar ao nível de exigência que era requerido. Meti temporariamente na gaveta. 

Contaste noutras entrevistas que os teus amigos te inscreveram às escondidas no programa The Voice. Sentes que precisavas desse “empurrão”? 

Era algo que não tinha como objetivo. A música, para mim, era um hobby, uma coisa secundária. De repente, as coisas mudaram e agora olho para trás e penso: “Ainda bem que as coisas foram assim”. O The Voice foi uma montra boa, um empurrão grande, as coisas começaram a andar a uma grande velocidade. Se calhar, era difícil acontecer de outra forma. Pelo menos, não seria tão fácil chegar a alguns sítios ou ter uma estrutura como tenho neste momento. Ainda bem que assim foi. 

 

 

 

 

Como é que reagiste?

Disse-lhes: “Eu vou, mas só vou ver como aquilo funciona” (risos). Não era um mundo a que estava habituado, mas agora quero continuar dedicado a ele.  

O teu envolvimento com a música começa ainda jovem, em grupos de cante alentejano. 

Comecei a ouvir cante alentejano através da minha avó, ainda em cassetes. Ouvia, cantava com ela e com outras pessoas de mais idade. Depois, comecei a pensar noutros estilos musicais, a ir para outros lados. Sempre na ótica de fazer um dinheiro extra e de fazer uma coisa que me dava prazer. Sempre com grupos e nunca a solo. Tive uma fase em grupos corais e depois outro de cante alentejano. Pegávamos em covers que já existiam e íamos fazendo um mix. Comecei um grupo com os meus melhores amigos e foi muito bom. Tivemos várias fases, onde o primeiro cachet foi “jantar e copos” e o segundo foi 25€. Tocámos para vários tipos de públicos e em diferentes palcos, que me ensinaram muito e trazem boas recordações. 

 


«A cultura alentejana está viva. Cada vez tens mais miúdos a aparecer, a cantar com estilos próprios»

Luís Trigacheiro


 

 

Mesmo assim não tinhas pensado nesta carreira como uma possibilidade?

Nem pensava nisso sequer. Queria ser agrónomo, estava a estudar para isso. Só me queria divertir com a música, nunca tinha sido a minha ferramenta principal, por assim dizer. 

Tens colaborado com diferentes artistas, mas em todas essas colaborações se notam as influências do cante alentejano. É desafiante a fusão com outros estilos, como o pop?

É muito desafiante. O cante alentejano já o conheço, já o domino, faz parte mim. Para mim, é fácil, tal como para outras pessoas é fácil cantar num registo mais pop. Há vários estilos dentro do pop, enquanto o cante alentejano tem uma base. Depois há coisas que acontecem, estás a cantar e há coisas que saem assim, são genuínas. Quando tentas pegar numa coisa e criá-la à força vai saber a empurrão. Acho que é bom termos contacto com linguagens diferentes das nossas, porque a música é isso mesmo. É uma partilha de diferenças e é isso que nos aproxima de outros mundos, que nos faz criar algo novo e que nos consigamos dar a conhecer a outro tipo de públicos.

A tua nova música com o Diogo Piçarra, “Porta 43”, é um exemplo disso. Como foi o processo de criação deste tema?

Até uma determinada fase estávamos a pensar o que queríamos, a experimentar acordes e outras coisas. Depois a filha do Diogo chega ao estúdio para nos cumprimentar, estava meio constipada e descalça. O Diogo vira-se para ela e diz: “Ainda ficas pior. Calça-te amor”. E nós começámos a brincar com aquilo e focámo-nos na frase, que acabou por se tornar a chave desta canção. 

 

 

A relação com o Diogo já vem desde o The Voice.

Sim, não foi o meu mentor, mas podia perfeitamente ter sido. Criámos uma relação desde aí que tornou fácil o processo. Até hoje nas promoções da canção, no estúdio e em concerto temos uma ligação forte e uma conexão fácil de acontecer. 

Qual é a sensação de ter duas salas esgotadas no Coliseu de Lisboa? 

É ótimo. Estou muito contente e ansioso para perceber como é que esse dia vai ser, o decorrer de cada sessão, se o público vai alinhar naquilo que vou fazer. Vai correr bem, estou certo. Tenho surpresas preparadas, não vou dizer quais (risos).

 


«É bom ter alguém com uma perspetiva diferente da tua, alguém que questione e que te sugira coisas diferentes»»

Luís Trigacheiro


 

Consideras-te um embaixador da cultura alentejana? Sentes que esta está viva?

Sim, a cultura alentejana está viva. Cada vez tens mais miúdos a aparecer, a cantar, com estilos próprios. Posso dizer que sou uma das influências porque eles ouvem as minhas músicas, já cantei com eles. Há uma influência neste trabalho e ainda bem que assim é.

Depois de “Fado do Meu Cante”, onde homenageias o Alentejo e de “Ela”, que se foca na figura feminina, o que vem a seguir? Podes revelar?

Ainda estou a trabalhar nisso. É muito cedo. Entre disco, Coliseu e concertos não tive tempo para pensar. Não gosto de fazer coisas à pressa e até ter essa certeza, prefiro não fazer só por fazer. 

 

 

Admitiste em entrevistas ser “apologista da composição em grupo”. Sentes que debater ideias ajuda a tua criatividade? 

Muito. Nós termos visões diferentes de outras pessoas e termos o cunho delas é bom. Às vezes, achamos que só a nossa opinião é que é válida, não é assim. É bom ter alguém com uma perspetiva diferente da tua, alguém que questione e que te sugira coisas diferentes. É nessa diferença que podes encontrar um caminho e uma resposta que andavas à procura e não sabias. Trabalhar com alguém que sabe ajuda-te a ir para outros sítios quando estás bloqueado e isso é muito bom. 

Tu já trabalhaste com vários nomes diferentes, Carminho, Luísa Sobral, a Irma… Vais aprendendo um pouco com quem te cruzas?

Sim. Já consumo a música deles, não vou sem saber o que cada um deles faz. Isso torna fácil a junção das coisas. Seja na composição ou nos duetos.

E daquilo que vais ouvindo? Já partilhaste que ouves Caetano Veloso, entre outros artistas...

Sim, eu ouço muita música diferente. Sou uma pessoa aberta aos estilos todos. Mal comparado, eu acordo a ouvir Caetano Veloso, vou almoçar a ouvir Quim Barreiros e vou beber um copo a ouvir house ou eletrónica. Não sou fechado a um estilo só, sou abrangente.