Em março de 2019, a FORUM entrevistava Matilde Alvim, à época estudante do ensino secundário e um dos principais rostos da primeira greve estudantil pelo clima em Portugal. Dois anos passados, falamos com a agora estudante do Ensino Superior sobre a evolução do movimento Greve Climática Estudantil, que voltou às ruas, no passado dia 19 de março. Os olhos de Matilde, contudo, estão postos no futuro e no caminho a percorrer para evitar o caos climático: “Estamos a passar uma emergência climática, mas também pandémica e em breve económica. É importante que nós, estudantes, tomemos consciência disso e nos organizemos”. 


 

Estiveste na ação de rua do passado dia 19 de março da Greve Climática Estudantil? 

Sim. Na ação e na organização (risos). 

 

Podes descrever-nos a ação? O que é que podes contar a quem não esteve presente? 

Eu participei na ação de Lisboa, mas a ação realizou-se em 16 localidades, algumas delas com ações presenciais. Em Lisboa, estiveram mais pessoas do que eu estava à espera, o que foi bom. Também gostei do facto de termos conseguido, já no Martim Moniz, ocupar um pouco o espaço, com as devidas medidas segurança, e ter um momento cultural, onde vários artistas cantaram e falaram. Acho que foi um bom regresso às ruas do movimento em 2021. Há mais momentos destes previstos – vamos voltar sair às ruas pela Greve Climática Estudantil, por altura do Dia da Terra [22 de abril].   

 

A FORUM já te tinha entrevistado, em março de 2019, quando foste uma das principais impulsionadoras da primeira greve climática estudantil em Portugal. Que diferenças é que encontras no estado do vosso movimento, desde então?   

Sinto que está mais organizado. Acho que é normal que, no início, os movimentos sejam um pouco espontâneos e, na altura, essa informalidade foi muito importante. Mas é também normal que os movimentos se vão consolidando e amadurecendo. Acho que estamos, definitivamente, mais organizados, embora o “passa a palavra” e a espontaneidade continuem a ter um papel na mobilização.                                                               

 

Greve pelo Clima: Foi para salvar o Mundo que os estudantes saíram à rua


Estudantes de todo o Mundo trocaram hoje a sala de aula pelas ruas, durante a greve estudantil pelo clima. Em Lisboa, milhares caminharam até às escadas da Assembleia da República.


 

 

A pandemia da Covid-19 tem impacto nessa mobilização?

É mais difícil. E nãodevido à Covid-19, que torna impossível encontrar pessoas aleatoriamente na rua e criar uma nova conexão. Mas também porque as próprias redes sociais criam bolhas que são difíceis de ultrapassar. 

 

Referiste que o movimento estava mais organizado. Onde é que essas diferenças têm impacto, na vossa ação?

Um espaço organizado é mais fácil de compreender, facilita o conhecimento das formas como podemos participar. O trabalho também poderá avançar mais depressa, porque as tarefas estão organizadas. Mas é importante ter em conta que a nossa organização está constantemente em construção: são sempre necessárias novas pessoas, com novas ideias para construir coisas que ainda não existem. É um processo que nunca acaba.


«[…] a nossa organização está constantemente em construção: são sempre necessárias novas pessoas, com novas ideias para construir coisas que ainda não existem. É um processo que nunca acaba»
Matilde Alvim, Greve Climática Estudantil



Como tem evoluído a participação de estudantes no vosso movimento? E que tipo de tarefas podem realizar?     

Depois do aparecimento da Covid-19, tivemos de tentar reinventar a nossa organização. Em janeiro, lançámos o projeto “Climaticamente falando”, que realiza palestras online em escolas e universidades. Nestas reuniões, temos encontrado estudantes com vontade de participar e aconselhamos que contribuam com o que sabem e gostam de fazer – seja uma contribuição mais técnica ou científica ou, por exemplo, fotografar, escrever ou até de forma mais artística. Todas as capacidades são bem-vindas. Há sempre coisas novas para construir. 

Como podes descrever a experiência de um estudante que se ligue à Greve Climática Estudantil?  

Posso falar um pouco da minha experiência pessoal. Eu sofria muito de ansiedade. Sentia:O nosso mundo está a ser destruído e não estou a fazer nada”. Ao mesmo tempo, estava numa espécie de curto-circuito estava preocupada por não conseguir fazer nada e não fazer nada preocupava-me. Uma das coisas que me ajudou a superar essa ansiedade foi a ação coletiva e encontrar um sentido de comunidade. Penso que isso é uma das coisas mais gratificantes. 

 

                                            
                                                                                                     

Desde o dia 15 de março de 2019 até hoje, sentes que já houve alguma mudança conquistada?   

Acho que o movimento pela justiça climática conseguiu algumas coisas que não devem ser subestimadas. Em Portugal, houve contratos para exploração de combustíveis fósseis que foram anulados, por exemplo. Mas, de facto, quando olhamos para as emissões, percebemos que continuam a aumentar. Isso é muito claro e, falando do contexto político nacional, quer dizer uma coisa líderes políticos que afirmam que a nossa luta é super importante, mas essas palavras não correspondem a uma ação. Olhando para os factos, temos menos dois anos para resolver a crise climática do que tínhamos, quando começámos, e as emissões continuam a aumentar. Por isso, temos de continuar a protestar.     

Qual consideras ser o risco desse caminho continuar a ser percorrido?  

Há uma coisa em que os governantes gostam de se apoiar que é o Acordo de Paris. A verdade é que se todos os estados fizessem tudo o que está escrito no Acordo de Paris iríamos aquecer muito para lá do limite que é entendido como “barreira de segurança”. Ou seja, ninguém está a cumprir o acordo de Paris, mas mesmo que fosse cumprido, iríamos aquecer muito para lá do limite. O risco de continuar este caminho é o caos climático.                                                        


 


«[…] quando olhamos para as emissões, percebemos que continuam a aumentar. Isso é muito claro e [...] quer dizer uma coisa – há líderes políticos que afirmam que a nossa luta é super importante, mas essas palavras não correspondem a uma ação»


 

                                                                                           
Que medidas pensas poderiam ser aplicadas imediatamente?  

Temos de atingir a neutralidade carbónica até 2030 – e não 2050, que é o plano do Governo e é demasiado tarde. Temos de deixar os combustíveis fósseis no chão agora. Ontem. Não existe espaço para mais nenhum furo destinado à extração de gás, carvão ou petróleo. E isso é apenas o primeiro passo. Depois, são necessárias mudanças mais profundas, que duram entre 5 a 10 anos, que é o tempo que temos para conseguir controlar o caos climático. 

Quais são algumas dessas mudanças?  

Essas mudanças baseiam-se no conceito de transição energética justa. Isto significa que as infraestruturas mais poluentes têm de fechar, mas os trabalhadores não podem ser simplesmente colocados na rua, tem de existir uma requalificação. É também necessário investir na ferrovia, ter uma rede de transportes pública boa, acessível e gratuita. Alterar a forma como produzimos, como fazemos energia, como plantamos. É necessário começar um processo que será mais longo mas que tem de começar agora. 

Uma das vossas frases fortes do vosso movimento é “não aceitamos mais promessas vazias”. Se continuarem a sentir que as promessas são vazias, preveem alguma forma de adaptação da vossa ação? 

Em novembro, a GCE assinou um acordo internacional – o Acordo de Glasgow. Nele, mais de 120 organizações de todo o mundo assumem o compromisso de identificar as infraestruturas mais poluentes, de dinamizar uma agenda pela justiça climática e de tomar responsabilidade de cortar as emissões de gases com efeito de estufa, numa lógica de justiça climática e de solidariedade internacional. A ação institucional é boa, mas o movimento precisa de um rumo diferente, que não dependa apenas da ação das instituições. Nesse sentido, o acordo de Glasgow prevê também que muitas destas 120 organizações estejam dispostas a tomar outros meios, nomeadamente a desobediência civil. 

 


 

 


 

 

Ao longo das décadas, temos visto ocasiões em que os estudantes tiveram impacto na mudança social. Isso é algo que vos inspira enquanto movimento?  

Definitivamente, essa é uma questão que nos inspira. Em Portugal, temos o caso dos estudantes, que contribuíram para a queda do regime e da ditadura. Mas existem também exemplos em outros países e movimentos, como o movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos, que também utilizava a desobediência civil para conseguir o que queria. Há vários movimentos que são inspiradores, ao mostrarem o que os estudantes já foram capazes. Mas devemos sempre olhar para o futuro. Vemos várias coisas que pairam sobre nós – como a precariedade ou o caos climático – mas se lutarmos, conseguimos.                                                                                                                                                       

 

Entretanto, desde 2019, também entraste no Ensino Superior. A tua escolha de curso foi influenciada pela questão da crise climática?  
 
Eu estudo Antropologia e acho que tem tudo a ver (risos). As Ciências Sociais têm tudo a ver com a resolução da crise climática, porque não se trata de um mero cálculo aritmético. Implica justiça climática e implica mudanças sociais muito profundas. Não escolhi o curso devido à crise climática, mas consigo aplicar tudo o que faço a este tema. Penso que precisamos da contribuição das Ciências Sociais e das Artes para pensar este problema, para além da Engenharia e das Ciências da Natureza. Não só para conseguirmos compreender este fenómeno mas também ligar-nos a ele. 

Há alguma mensagem que gostarias de deixar aos estudantes nacionais?                                                    

Sim. A GCE vai continuar a organizar-se, vão existir novas ações, desde logo, uma próxima mobilização no Dia Mundial da Terra [22 de abril]. Nesta primavera, haverá muitas oportunidades de participação, também em ações de outras organizações do movimento pela justiça climática. A minha mensagem é:Juntem-se a nós”. Esta participação pode ser feita numa ação ou através da marcação de uma sessão introdutória da GCE na escola ou faculdade, por exemplo. Precisamos das contribuições de todas as pessoas, porque estamos a passar uma emergência climática, mas também pandémica e em breve económica. Estas crises estão interligadas e estão a pairar sobre o nosso futuro. É importante que nós, estudantes, tomemos consciência disso e nos organizemos.