O livro "Ricky", editado pela Forum Estudante no âmbito da comemoração dos seus 30 anos, foi escrito por dois primos: Ricardo Monis, que nasceu com atrofia muscular espinhal, e Lucas Chipenda, um dos pilares de Ricardo. Quando nasceu, os médicos deram a Ricardo uma esperança de vida até aos dez anos. Agora, com vinte e três, decidiu escrever um livro infantil juntamente com o primo em que contam algumas das suas aventuras. Em entrevista à FORUM, os autores contam mais sobre este projeto. 

Expliquem-nos, em breves palavras, em que consiste a condição do Ricardo. 

Ricardo Monis (RM) - Tenho uma doença chamada Atrofia Muscular Espinal tipo II. Basicamente os meus músculos vão enfraquecendo ao longo do tempo. Sou completamente dependente de terceiros, seja para comer, tomar banho ou outras atividades. Tenho uma deficiência de 95%, que não tem qualquer tipo de impacto com a parte intelectual.

Estás a tirar um curso superior, não é? 

RM: Sim, estou agora no terceiro ano do curso de sociologia. Está a correr bem, acabo este ano em junho, espero (risos).


 

“Sempre tive sorte, porque ao longo da minha vida foram aparecendo as pessoas certas para me ajudar”  
Ricardo Moins


 

E também estás a estagiar. Como é que consegues conciliar as duas vertentes com a tua condição? 

RM - Nada é possível de se fazer sozinho, todos precisamos da ajuda dos outros. Sempre tive sorte, porque ao longo da minha vida foram aparecendo as pessoas certas para me ajudar. Na faculdade tenho uma amiga que me ajuda na deslocação. Grande parte do estágio é feito através do zoom, o que facilita a parte da deslocação. Além disso é uma questão de nos sabermos adaptar às circunstâncias.

Como é que, em crianças, os dois aperceberam-se das condições do Ricardo? 

Lucas Chipenda (LC) - Foi aos poucos, porque ele também foi perdendo a força aos poucos. Tenho memórias nossas em crianças sentados no chão a jogar PlayStation, só depois é que ele começou a ter as cadeiras especiais. Às vezes, mesmo sem perguntar os meus pais iam-me explicando o que se passava com o Ricky. 

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Que outras adaptações precisaram de ser feitas na família? 

RM - As adaptações foram feitas gradualmente. Por exemplo, uma das adaptações foi a minha mãe abdicar da vida profissional mal nasci. Assim poderia proporcionar-me uma vida mais confortável. Tivemos também de mudar de casa porque a minha primeira era no terceiro andar, sem elevador. Aos 10 anos de idade os meus pais já não me conseguiam transportar. Tivemos também de comprar um carro adaptado.

Como é que eram vocês enquanto alunos? 

LC - Nós nunca andámos juntos na escola. Mas eu era um aluno bastante distraído. Tinha uma grande dificuldade em concentrar-me nas aulas, estava sempre a desenhar nos cadernos. Acho que a minha carreira toda escolar foi desenhar nas mesas (risos). A vertente teórica era horrível para mim. A minha mãe sempre esteve bastante presente nos meus estudos. Era ela que sempre me impulsionava para estudar e ficava a estudar comigo. 

RM – Eu não era um aluno brilhante, mas também nunca tive muita dificuldade na escola. Fui para economia, o que trazia um problema acrescido, porque tive uma altura em que era internado várias vezes e era difícil acompanhar a matéria, mas sempre fui bom o suficiente para entrar na faculdade. O mercado de trabalho é bastante competitivo e achei que o complemento da faculdade poderia ajudar a minha inserção. Estar a estudar sociologia também me veio a preparar para este caminho que decidi escolher, da inclusão.


 

“Só é possível normalizar se a comunicação social partilhar estas histórias de uma forma natural. Falta esta visão mais natural da pessoa e não da condição” 
Ricardo Moins 


 

Achas que os jovens de hoje estão mais consciencializados para a diferença?  

RM - Felizmente eu nunca sofri bullying nem fui maltratado. Não sei se sou fixe ou simplesmente tive sorte (risos). Quero acreditar que o mundo está mais aberto a estes casos, mas só é possível se a comunicação social partilhar estas histórias de uma forma natural. Falta esta visão mais natural da pessoa e não da condição.

LC - Na escola, ele nunca teve problemas em fazer. Na faculdade, criou-se uma maior dificuldade porque as pessoas não cresceram com ele, então não sentem tanta afinidade.

A ideia do livro como é que surgiu na vossa vida? 

RM - Somos uns chatos para os nossos familiares e amigos (risos). Estamos sempre a contar as nossas histórias, os nossos constrangimentos com as pessoas. Como eu e o Lucas somos tão próximos gostaríamos de criar um projeto juntos. Então juntámos o útil ao agradável. 

Quanto tempo demoraram a escrever? 

RM - Escrever a história foi relativamente rápido, tivemos uma pequena dificuldade na adaptação da escrita para crianças. Às vezes queríamos fazer umas piadas de humor negro, por exemplo, mas não podíamos. Tivemos o apoio de um senhor chamado Carlos, que mostrava os nossos textos a professores, educadores, mães, para que tivéssemos um feedback exterior. Ao todo foram uns sete meses.

Retrataram situações muito complicadas? 

LC - Ainda temos umas quantas histórias que gostávamos de escrever. Neste livro não houve exatamente nenhum evento crítico. Nesta história, embora haja um drama, o livro retrata mais ou menos aquilo que nós íamos vivendo quando íamos para a rua e tínhamos uma vida social, à volta do desporto. 


 

“Não queremos que a condição do Ricardo seja o foco principal do livro. Queremos que o livro seja algo cómico, queremos que as pessoas se riam com o Ricky”  
Lucas Chipenda


 

Têm recebido um bom feedback da parte das pessoas? 

RM - Ir à SIC, ao programa “Casa Feliz” ajudou bastante. A pandemia estragou-nos um bocado os planos. Queríamos ter feito um lançamento oficial em janeiro e começar a procurar escolas. Precisamos de ir ter com as pessoas, de ir às escolas, de mostrar às crianças que o livro existe e deixá-las confortáveis para fazer perguntas. Nós acreditamos que a educação é a chave para um mundo inclusivo. E foi este o objetivo do livro, mais do que contar histórias, educar.

Querem deixar alguma mensagem aos nossos leitores? 

LC - Uma coisa que gostávamos de deixar claro é que não queremos que a condição do Ricardo seja o foco principal do livro. Queremos que o livro seja algo cómico, queremos que as pessoas se riam com o Ricky. E queremos que as pessoas se divirtam a ler o livro.