Há dez anos no humor em Portugal, Carlos Coutinho Vilhena já se apresentou em vários formatos, do YouTube aos palcos. Depois de “O Resto da Tua Vida” e “Clube da Felicidade”, o humorista volta a juntar realidade e ficção num projeto que se assume como uma peça de teatro cómica. “Síndrome de Lisboa” estreia em maio e é um “espetáculo provocador [que pretende] fazer rir”, onde Carlos Coutinho Vilhena e Catarina Rebelo são, respetivamente, paciente e psicóloga. Em conversa com a FORUM, o humorista conta mais sobre este projeto, partilhando ainda algumas das suas descrenças.  


A peça Síndrome de Lisboa é… 

É uma peça cómica, baseada numa história pessoal que me aconteceu. Eu perdi um amigo há dois anos, que já tinha umas chamadas de atenção – umas tentativas de uma coisa que não se pode dizer na imprensa. A peça parte da perspetiva de uma pessoa que tem um amigo muito próximo com estas chamadas de atenção, com a perspetiva de uma psicóloga que acabou de perder uma amiga na mesma circunstância. O grande dilema é: o que se diz na psicologia é que nós temos de continuar a nossa vida, mas o que um grande amigo faz é atender as dez chamadas e não nove. 


Contactos e serviços de apoio emocional

 

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Conversa Amiga

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E o que pretendes com a peça?  

Fazer rir. Eu sei que isto é polémico, mas o objetivo é ser um espetáculo interessante, provocador e fazer rir.?Ou seja, o objetivo nunca é moralista no sentido de dizer: “malta, tenham cuidado com as pessoas que estão a fazer chamadas de atenção porque às vezes pode ser mesmo a sério”. Eu não sei se os meus trabalhos têm esse sucesso, de mudar a perceção das pessoas. Se tiverem, melhor, mas esse nunca é o meu objetivo, que acho que é difícil – as pessoas quando pagam bilhete é só para se distraírem.

Tu não és ator e entras nesta peça como Carlos. A Catarina Rebelo, que representa uma psicóloga, estudou psicologia. Porque achas que esse lado é importante e não são apenas atores a interpretarem personagens? 

Eu escolhi a Catarina Rebelo porque já tinha trabalhado com ela e gosto muito de atores naturais, no sentido em que falam como as pessoas normais. Às vezes, tenho medo de atores que são bons, mas que, ao declamarem um texto, me deixam chocado porque ninguém fala assim. O facto de ela ser psicóloga é importante porque há partes técnicas e científicas que nós não sabemos, como qual é a primeira pergunta que um psicólogo faz a alguém que está a perder um amigo. E nós tivemos esse rigor técnico, até ao ponto onde não estraga a narrativa e a graça.  

 

 

 


Estás há dez anos no humor em Portugal. Há dois anos, numa entrevista, disseste que aos dez ou “rebentavas” ou te convertias ao
mainstream. Já te converteste ou achas que ainda vais “rebentar”? 

Eu acho que converter ao mainstream pode ser um sinónimo de rebentar. Podes continuar a fazer produtos mais de autor e, ao mesmo tempo, ter uma presença no mainstream. E acho que o caminho que eu tenho feito nos últimos anos, de ir para a rádio, propor-me a fazer salas gigantes, como fiz no Conversas de Miguel, é um bocadinho chegar a grandes públicos. A questão é que eu não gosto só disso. Gosto de estar dois anos assim e depois um ano a fazer estas peças, que têm uma lotação mais pequena, e a fazer séries que, se calhar, não são tão transversais. Mas depois estou na rádio todos os dias à tarde a falar de temas completamente mundanos. 


Sobre esses projetos menos transversais – como
O Resto da Tua Vida ou o Clube da Felicidade – qual era o objetivo quando os criaste? 

O objetivo é ver coisas que admiro e depois tentar reproduzir com os meios que temos em Portugal. E depois é um bocado ego, vaidade – tipo: “vejam que eu até sei fazer estas coisas”. Eu não faço isso para as pessoas, não acho que melhoro o mundo a fazer coisas. Eu gosto de que as pessoas gostem, mas faço, essencialmente, coisas de que eu gosto. 

 

 


De que é que mais gostas no humor?
 

Aquilo de que mais gosto no humor é a frescura, a novidade – no sentido de como é que chegaste até aqui, como é que me fizeste rir desta forma, sem utilizar sotaques, sem fazer tipos de pessoas específicas, sem gozar com provincianismo. Eu gosto da novidade, gosto de ver alguém que não está a utilizar vozinhas de outros. 


Qual foi o projeto mais difícil de concretizar? 
 

Podemos dividir dificuldade em duas variantes. Dificuldade de execução, que é eu sentir que aquilo que estou a dizer não está a chegar a toda a gente. Aí posso dizer que foi a rádio, onde o meu objetivo era: como é que eu, dentro da minha linguagem e não fazendo muitas cedências, conseguia que toda a gente me percebesse. Outra dificuldade é como é que eu, com os orçamentos que tenho, faço uma série parecer que é para a RTP ou que é cinema. É uma dificuldade técnica e de criatividade – como é que consigo ser impactante tendo 80€ para este dia. 


É por isso que a
Síndrome de Lisboa está em palco e não no YouTube ou noutra plataforma? 

Sim, porque eu acho que é difícil fazeres uma série de ficção, em Portugal. Cá, quando queremos fazer uma casa ou quartinho, percebes que vai cair, dás um toque e é contraplacado, não acreditas naquilo. Quando queres ter uma mansão com um T18, tens uma pequena mansão na Aroeira e não dá magnitude, não dá para contar histórias. Entre fazer isso e achar que fica médio, prefiro fazer no palco, onde posso utilizar luzes e músicas e transportar as pessoas para um castelo – basta-me só meter uma coroa, uma música de Game of Thrones e começar a voar puxado por um cabo, e as pessoas acreditam nisto. 

 

 

O que estudaste? 

Estudei Estudos Gerais, mas não terminei. Estive nas licenciaturas em Direito, História Moderna e Contemporânea e depois Estudos Gerais, que foi a que fiz mais tempo, 3 a 4 anos. O curso tem um tronco de contextos fundamentais – sobre obras de autores como Shakespeare, Darwin, Eça ou Camões – que foi importante para mim, porque tudo é baseado nesses livros. Séries como Succession, Game of Thrones ou The White Lotus utilizam estratégias daqueles livros e isso é importante porque percebes que já está tudo feito. Eu percebi nesse curso que já está tudo feito, não vale a pena inventar, podes é, nos pormenores, brincar com as coisas. 


E tu próprio foste buscar algumas estratégias a esses livros ou só percebeste que estava tudo feito?
 

Eu percebi, mas não foi uma coisa consciente. Naquela turma, senti-me tão burro – toda a gente era mais culta que eu. Era hilariante, eu sentia-me burro, tinha medo de fazer perguntas e isso puxou por mim, tinha de perceber porque é que eu me sentia tão inferiorizado e isso foi mais importante que o curso em si. Porque as pessoas que foram para o curso já o conheciam de Praga, de Nova Iorque, e estavam altamente focadas, elas sabiam o que estavam a fazer. Eu entrei porque consegui e já estava a fazer espetáculos. Nesse sentido, foi importante porque me picaram, eu tive ali um salto em termos de cultura, subi um degrau intelectual muito pela pressão dos meus colegas. 


Ouvi-te, numa entrevista, dizer que não acreditavas no talento. Acreditas em quê?
 

Acredito no trabalho, no esforço, no contexto, na sensibilidade. Não acho que haja uma coisa divina. Nascemos com uma genética, há pessoas que nascem com uma boa voz ou há pessoas que esticam muito o pescoço. Acho que o mérito vem mais do trabalho, das nossas referências e da forma como utilizamos isso. Eu sei que há uma questão de privilégio, que o contexto de onde vens é importante, mas todas as pessoas que têm muito sucesso, sobretudo em Portugal, são as pessoas que trabalham mais. 


«Cada vez que ouço alguém da minha idade, ou ligeiramente mais velho, a dizer “Os miúdos hoje em dia já não…”, só não quero chegar aí, porque toda a gente já disse essa frase há mil anos»


Portanto, tu és um descrente do talento, e há vários tipos de descrentes, que outro tipo de descrente é que tu és?  

Também não acredito no azar. Acho que há pessoas que também se põe muitas vezes à frente do azar. O azar da falta de profissionalismo ou da falta de mérito, muitas vezes, é porque as pessoas aí se colocaram. 


Conta-nos uma pequena irritação da tua vida.
 

Eu tenho um cão e irritam-me os donos dos outros cães que acham que, por termos animais de quatro patas, podemos ser amigos e temos temas para debater que não seja o cão. Eu estou de fones, vou para um parque de cães e as pessoas acham automaticamente que por eles estarem a brincar e a conversar na língua deles, nós também temos de estar a debater a eutanásia ou ter um grande debate ali. Muitas vezes, estou a trabalhar ou a ter ideias e não me apetece ouvir: “O Pantufa realmente é muito meigo, ele adora pessoas, agora pessoas com caracóis, nem lhe digo nada”. Não sei o que é que hei de responder, isso irrita-me. 


Onde é que achas que a vida te vai levar?
 

Se continuar a ter a vida que estou a ter, estou muito feliz, não quero mais nada, acho eu. Podia ter mais dinheiro para fazer projetos e mais tempo, isso gostava. Mas se estiver assim, se conseguir ter filhos e continuar a ter a vida que tenho, que é ter tempo para fazer as coisas que quero quando quero, sem ter de fazer cedências, acho que já estou bem. Eu olho muito para a vida dos outros artistas e de outras carreiras e sinto, muitas vezes, que chegam ali a uma certa idade e estão amargurados. Eu só não quero chegar aí e ter aquele ressabiamento com a geração mais nova. Cada vez que ouço alguém da minha idade, ou ligeiramente mais velho, a dizer “Os miúdos hoje em dia já não…”, só não quero chegar aí, porque toda a gente já disse essa frase há mil anos. E acho que isso só se consegue fazendo aquilo que eu quero, como eu quero e sem fazer cedências por dinheiro também.