João Ricardo deve o nome artístico de Plutonio aos tempos em que teceu uma associação radioativa com o MC Atómico. Hoje, ao 3.º álbum, a sua carreira está energizada graças a Cafeína, single que já conta com 17 milhões de visualizações no YouTube. Em fevereiro, o músico luso-moçambicano criado no Bairro da Cruz Vermelha, em Cascais, atua no Coliseu de Lisboa e no Hard Club do Porto. Revelará as canções de Sacrifício: Sangue, Lágrimas e Suor. De tudo isto trata esta conversa.


Sacrifício é o teu 3.º álbum mas a maior parte das pessoas pensará que é o 1.º. Como reages a isso?

Fico feliz que para algumas pessoas seja o 1.º: antes o 3.º ser o primeiro do que o 4.º (risos). De certa forma, percebo isso, porque os trabalhos anteriores tiveram que passar por uma evolução para hoje, este 3.º álbum, abranger muitas mais pessoas.

O grande rastilho do sucesso foi Cafeína. Como surgiu esse tema? Estavas à espera desse boom?

Muito sinceramente, não fui à procura dessa música. Foi um beat que o Dadda me apresentou. Ligou-me a dizer: “eh, pá tenho aqui um beat certo para fazeres um afrotrap. Acho que aqui na cena tuga está a faltar uma cena tua feita neste registo”. Fui ter com ele para ouvir o beat e ali, na hora, tive umas ideias. Um ou dois dias depois, tinha a música gravada. Foi um processo muito rápido. Passado pouco tempo estávamos a gravar o vídeo. Como foi uma música que aconteceu tão rápido, eu próprio não tive espaço para pensar na sua longevidade. Graças a Deus, funcionou muito bem. À primeira o instinto foi positivo, mas junto do público tem sido incrível. Os números falam por si, não é?

 

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Plutonio: "Tanto me sinto bem de fato de treino como com umas calças de ganga ou mais clássicas. Também sou assim na minha maneira de me expressar na música"

 

Às vezes acontece com os grandes êxitos que o próprio artista se canse deles, se tente distanciar, como quem diz: “não sou só isto”. Já estás nessa fase? 

Gosto de todas as minhas músicas de uma forma incondicional. O facto de o público ouvir 10 ou 100 mil vezes não vai mudar a forma como gosto delas. É normal que tenha vontade de mostrar mais e é para isso que trabalho em estúdio: para diversificar as minhas capacidades e inspirações. Por exemplo, consegui um som diferente no Meu Deus, que é uma música mais acústica, uma letra completamente diferente, assim como o delivery vocal. Consegui mostrar ao público que sei fazer mais do que o Cafeína.

 


"Gosto de todas as minhas músicas de uma forma incondicional.
O público ouvir 10 ou 100 mil vezes
não vai mudar a forma como gosto delas”

 

É por isso que o álbum é tão extenso?

Para serem 18 músicas, isso significa que muitas outras foram eliminadas. Sempre que um ouço um instrumental, tenho uma ideia diferente e foi o que aconteceu na gravação do álbum. E, de repente, tínhamos mais músicas do que o número normal num álbum, que anda ali entre as 10-12 faixas, no máximo 14.


Não queres mesmo ficar preso a um só rótulo musical?

Não, não, não, não. Isso é limitar o meu potencial. Tanto me sinto bem de fato de treino como com umas calças de ganga ou mais clássicas. Também sou assim na minha maneira de me expressar na música: há dias em que estou mais feliz ou introspetivo ou excêntrico, e passo isso para as músicas. Não gosto de repetir a mesma fórmula. É importante, enquanto artista, tentar explorar ao máximo todas as minhas capacidades. Depois de ter as músicas feitas, escolhi para single aquelas que achei que teriam mais abrangência em termos de público. Decidi lançá-las com espaço, para terem atenção individual. Lancei primeiro 9 e as outras 9 guardei para o álbum. Estas estão mais direcionadas para quem segue realmente o meu trabalho ou para quem queira descobrir mais de mim.


Tens ideia de como é o teu fã-tipo?

Tenho um público muito variado: pessoal mais velho e bem mais novo do que eu, de diferentes classes sociais, de todas as raças. Isso é o ideal. Não faço música para um público específico, faço música para quem gosta de música.

 

 

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Plutonio: "Dediquei a minha vida desde os 15 anos à música e com isso deixei de estudar cedo, de trabalhar. Não segui o rumo da maioria do pessoal da minha geração (...)". 


Muitos pré-adolescentes ouvem a tua música. Tens cuidado com a mensagem que transmites?

O que falo em certas músicas pode parecer menos adequado, mas qualquer pessoa que tenha princípios vai perceber a realidade de onde venho e que seria pior se eu fosse hipócrita e não dissesse as coisas como elas são, como eu as vivo. Se assim fosse, eu iria estar a falhar com aquilo que represento. Se os pais realmente educarem os filhos como deve ser, o Plutonio não é um problema na vida deles. Pelo contrário: pela minha história e por aquilo que tento transmitir até pode ser um incentivo para as pessoas irem mais a fundo naquilo em que acreditam. Quando falo de sacrifício, sangue, lágrimas e suor, conto uma história que diz que se as pessoas se sacrificarem com vontade e força conseguem atingir o impossível.

 


 

“Se os pais realmente educarem os filhos como deve ser, o Plutonio não é um problema na vida deles”

 


 

Que tipo de sacrifícios fizeste pela música?

Muitos. Dediquei a minha vida desde os 15 anos à música e com isso deixei de estudar cedo, de trabalhar. Não segui o rumo da maioria do pessoal da minha geração – uns estão casados, outros têm o mesmo trabalho há 10/15 anos, outros estudaram e formaram-se. Eu não fiz nada disso. Fiz os meus sacrifícios para poder fazer a minha música. Graças a Deus, funcionou.

 

Como é a vida no teu bairro?

O meu bairro não foi sempre igual, tem vindo a mudar. Em muitas coisas tem vindo a melhorar, noutras o inverso. Cresci um bairro em que, nos anos 80 e 90, tínhamos todo o tipo de problemas associados à criminalidade: muito pessoal deixou de ir à escola cedo, muitos não tinham pai nem mãe ou só cresceram só com um ou com outro, tenho na boa uns 40 amigos que estão presos. Claro que isso afetou a minha maneira de pensar, o meu dia a dia na adolescência. Não consigo separar isso da minha história, da minha música. Este trabalho que estou a fazer não é só para mim: falo por um monte de pessoas que não têm expressão própria. Este trabalho motiva as pessoas de bairros como o meu a irem atrás daquilo em que acreditam. Fico recompensado por a minha música estar a ter esse impacto na vida das pessoas. É a transformação da vida em si, que foi precisamente o que a música me trouxe.

 

Videoclip de "Somos Iguais" (Fonte: Canal do YouTube de Plutonio 2765)

 

Como é ser-se luso-moçambicano?

A minha infância e ligações familiares estão associadas diretamente com a cultura moçambicana: na forma como fazemos as nossas festas, na comida, nos princípios de educação. Posso não pensar nisso todos os dias, mas isso está em mim, está na forma como chego e cumprimento as pessoas, na forma como falo, como me visto, como me expresso na minha música. Isso vem da educação que a minha mãe me deu. A mim e aos meus irmãos.


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Tens uma família muito grande?

Mesmo. Tenho 9 irmãos e 13 sobrinhos. E a minha mãe tem duas irmãs. É muita gente. Somos muito unidos.

 

E hoje sentes-me mais Plutonio ou mais João Ricardo?

Na realidade, sinto-me mais Dudu. João é só nome de BI. A minha mãe e os meus amigos chamam-me Dudu. E Plutonio é uma consequência dessa pessoa, por assim dizer.