O primeiro ano de mandato da presidente do Conselho Nacional da Juventude (CNJ), Rita Saias, está a ser “diferente do idealizado”. A pandemia do novo coronavírus obrigou o CNJ a encontrar novas formas e áreas de representação dos jovens portugueses. Em entrevista à Forum, Rita Saias descreve algum do trabalho realizado que a leva a fazer um balanço positivo destes primeiros nove meses em funções.


 

O CNJ define, nos seus estatutos, a missão de representar os jovens portugueses. Podes explicar aos nossos leitores de que forma é que o CNJ efetiva essa representação?

Fazem parte do Conselho Nacional da Juventude 44 organizações de juventude de âmbito nacional – escutistas, estudantis, sindicalistas, partidárias, confessionais, sociais entre outras. É, portanto, bastante abrangente e transversal. E é através destas organizações que o CNJ representa as gerações jovens – auscultando estas estruturas, mas também ouvindo diretamente os jovens (através de inquéritos, por exemplo), conhecendo a visão ou a perceção da juventude sobre determinado tema e apresentando as nossas posições aos decisores políticos. Isto de forma a que as políticas públicas tenham em conta os interesses e as preocupações dos jovens portugueses. Para tal, criamos momentos de discussão, informação e empoderamento dos jovens, para que possam participar ativamente na vida política e social. Entendemos que é importante que os jovens percebam que, se querem mudar alguma coisa, têm de, eles próprios, se envolver e participar.

 

Tendo em conta essa ligação próxima à atividade das organizações de juventude, como podes descrever a evolução do movimento do associativismo juvenil?

O movimento associativo jovem tem sido, desde o 25 de Abril, um pilar de mudança. O movimento estudantil, católico e sindicalista assumiu um papel importante de pressão para o fim do Estado Novo. Hoje temos um papel diferente na sociedade, mas não por isso menor. A juventude está cada vez mais comprometida com causas globais e o movimento associativo acaba por ser uma forma de expressão local e nacional disso mesmo. Por outro lado, tem existido um aumento de grupos informais, em detrimento de organizações per si, o que demonstra que o que interessa aos jovens não é formalidade, mas sim a missão. Isso leva a uma mudança dentro do mundo do associativismo, que pode ter consequências positivas no futuro. Mais do que o movimento associativo em si, interessa ter jovens participativos, ativos, comprometidos com uma qualquer causa que seja a sua. Os jovens têm vindo a afastar-se da política e isso é algo que é preciso inverter. O movimento associativo, seja formal ou informal, é um caminho para termos cidadãos jovens comprometidos politicamente e, portanto, nunca deixará de ter um papel importante na vida democrática de qualquer país.

 


«Mais do que o movimento associativo em si, interessa ter jovens participativos, ativos, comprometidos com uma qualquer causa que seja a sua. Os jovens têm vindo a afastar-se da política e isso é algo que é preciso inverter»
Rita Saias, presidente do CNJ


 

Nesse sentido, na tua opinião, quais são alguns dos principais desafios que se colocam ao associativismo juvenil, atualmente?

Um dos maiores desafios é também a sua maior riqueza – a rotatividade das pessoas nos cargos de liderança. Esta característica traz alguma instabilidade às organizações, mas também permite uma renovação de energia e visão que é benéfica. Outro dos grandes desafios diria que é a discriminação com base na idade. O facto de sermos jovens é, por vezes, visto com algum descrédito por parte de financiadores, decisores políticos e chefias técnicas que sentem que não estamos preparados para assumir a responsabilidade. Por outro lado, a juventude tem à sua disposição um conjunto muito mais vasto de oportunidades, causas, ferramentas... o que faz com que o grau de compromisso seja, por vezes, difícil de manter e, para organizações que se baseiam exclusivamente no voluntariado, isso traz desafios acrescido porque cria uma necessidade constante de envolvimento com o seu público. E, por fim, a questão do financiamento. O financiamento do movimento associativo é reduzido, é precário e nem sempre justo. O facto do financiamento público ser baseado na execução de atividades, por exemplo, em vez do impacto social gerado, faz com que se perpetuem atividades que já não fazem sentido e que se privilegiem organizações que já recebem financiamento em vez daquelas que estão a iniciar a sua atividade e precisam de apoio para começar. E isto prejudica o movimento associativo jovem que é dinâmico e está em constante mudança.

 
Olhando a experiência de um ou uma jovem que participe com regularidade em atividades associativas, quais pensas que serão as principais mais-valias retiradas?

O movimento associativo é uma escola de cidadania e de liderança. As mais-valias para alguém que se envolve são sempre muito mais do que as horas investidas, que também são, por norma, muitas. A começar pela capacidade de resolução de problemas ou de organização de iniciativas e eventos, sem esquecer a proatividade, a disciplina e o sentido de compromisso que se apura. Por outro lado, é possível desenvolver a capacidade para comunicar, ganhar uma rede de amigos e conhecidos, conhecer culturas e formas de estar diferentes…

 

 

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Rita Saias é presidente do CNJ desde janeiro de 2020

 

 
Numa altura que caminhas para o final do teu primeiro ano de mandato enquanto Presidente da Direção do CNJ, que balanço fazes destes primeiros meses?

Estes meses foram sem dúvida diferentes daquilo que tínhamos idealizado, enquanto Direção, devido à pandemia. Houve adaptação dos nossos objetivos políticos e da forma como fazíamos as coisas... Surgiram, por exemplo, novas áreas de ação, novas formas de interagirmos com os nossos pares e com os decisores políticos e parceiros. Este momento de pandemia reforçou a necessidade de existir uma estrutura que fale a uma só voz por todos [os jovens], que exija o envolvimento das novas gerações na definição das políticas públicas de juventude como é o caso do Pacote de Medidas por uma Recuperação Económica e Social da Juventude... Por tudo isso, faço um balanço positivo destes meses.

 


«Têm chegado ao CNJ muitas histórias inspiradoras de jovens que tem contribuído para este esforço coletivo de combate à pandemia […] Há tanta coisa pela qual ter orgulho na nossa geração.»


 

Ao longo dos últimos meses, a Forum Estudante tem noticiado várias iniciativas de jovens que procuram encontrar soluções para os constrangimentos resultantes da pandemia do novo coronavírus. Como é que o CNJ tem sentido a mobilização dos jovens para este fim?

Têm chegado ao CNJ muitas histórias inspiradoras de jovens que tem contribuído para este esforço coletivo de combate à pandemia e à mitigação das suas consequências. Jovens empreendedores que ajustaram os seus negócios ou criaram novos negócios para dar respostas às novas necessidades; jovens famílias que, apesar do teletrabalho e da dupla jornada que têm muitas vezes, encontraram um novo equilíbrio, alterando totalmente o seu estilo de vida; jovens estudantes que abraçaram o desafio das aulas não presenciais, que ajudaram os professores a encontrarem soluções tecnológicas, que partilharam material, como computadores, com outros que precisavam; jovens que criaram redes informais de apoio às populações mais vulneráveis... Há tanta coisa pela qual ter orgulho na nossa geração. E é por isso que não admitimos este discurso menos positivo sobre o nosso papel na pandemia.

Pensas que esta ação congregada de grupos de jovens pode ser um impulso ao associativismo jovem?

Sim, será com certeza. Porque o associativismo também traz um sentimento de pertença que é importante para todos. Mas, como disse, há um movimento informal, que cresce a cada dia e que não se rege pelas mesmas linhas que o associativismo formal e que disputa a pertença dos jovens. Acho que será interessante perceber como é que as novas formas de participação, nomeadamente de participação digital, vão moldar o movimento associativo nos próximos anos.

 

 

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 Rita Saias: « […] sabemos que é preciso continuar a dar voz aos jovens e a exigir mais e melhores políticas públicas. Não iremos parar por aqui»

 


Consideras que há medidas que podem ser tomadas que facilitem a concretização destas vontades no plano associativo e que possam assumir-se como um impulso?

Sim. Aliás, o CNJ tem trabalhado nesse sentido. Temos levado a cabo várias discussões sobre que medidas são necessárias para revitalizar o associativismo e, com isso, dar-lhe um novo impulso. Por exemplo, a necessidade de desburocratizar e tornar mais acessíveis o acesso às ferramentas e mecanismos formais que existem – como a inscrição do Registo Nacional do Associativismo Jovem, o acesso ao financiamento público por via do Instituto Português do Desporto e Juventude ou a criação de plataformas digitais de congregação de vontades e visões de jovens de norte a sul, do interior, litoral e ilhas... Estas são algumas das medidas necessárias, sem esquecer, naturalmente o papel importante que a escola e a valorização e reconhecimento da educação não formal podem ter na formação cívica e no fomento do associativismo jovem.


Olhando o caso da maioria dos nossos leitores – estudantes do Ensino Secundário ou Profissional, quais pensas que poderão ser as consequências mais graves que nascem do contexto criado pelo novo coronavírus? De que forma tem o CNJ tem acompanhado esta dimensão?

O CNJ tem estado atento às muitas implicações que a pandemia teve na vida daqueles que representamos. Começámos por fazer um inquérito em maio que teve mais de 2500 respostas de jovens de todos os distritos. Promovemos também a discussão junto das nossas organizações, que incentivámos a partilhar o conhecimento sobre a forma como a pandemia estava a afetar a vida dos seus jovens. Percebemos que as questões da saúde mental eram aquelas que tinham um maior peso, a par da incerteza em relação ao ensino e do sentimento generalizado que tinham existido falhas na aquisição dos conteúdos, devido à passagem para o ensino não presencial. No emprego, percebemos que tinha havido uma precarização das condições de trabalho, que situações de subemprego e desemprego tinham aumentado entre os jovens e que nalguns casos houve abusos na utilização do teletrabalho.

 


«O CNJ tem estado atento às muitas implicações que a pandemia teve na vida [dos jovens]. Percebemos que as questões da saúde mental eram aquelas que tinham um maior peso, a par da incerteza em relação ao ensino e do sentimento generalizado que tinham existido falhas na aquisição dos conteúdos, devido à passagem para o ensino não presencial»


 

 

E qual o resultado dessa auscultação?

Pegámos nestas conclusões e criámos o Pacote de Medidas por uma Recuperação Económica e Social da Juventude que tem 100 medidas que cobrem áreas como o emprego, a habitação, a educação, a saúde, o ambiente, o associativismo, entre outras. As medidas visam dar respostas às necessidades dos jovens que se criaram ou que se tornaram ainda mais evidentes no período de pandemia. Apresentámos esse documento a mais de 35 personalidades ou parceiros como o Presidente da República, membros do Governo, grupos parlamentares, partidos políticos, fundações, associações do setor da juventude, autarquias... Isto para que a juventude seja uma prioridade nas respostas que se criam às consequências da pandemia. Muitas dessas propostas foram bem recebidas e estão já a ser legisladas na Assembleia da República e estamos muito satisfeitos por isso. Mas sabemos que é preciso continuar a dar voz aos jovens e a exigir mais e melhores políticas públicas. Não iremos parar por aqui.

Quais são alguns exemplos de ações incluídas nesse pacote de medidas?

Por exemplo, na área da educação, entendemos que há um conjunto de problemas estruturais que já existiam antes da pandemia e que a crise sanitária veio naturalmente exacerbar. Entendemos que o atual sistema de ensino, aprendizagem e avaliação não dá resposta às necessidades do mercado nem dos alunos. E que é necessário que haja uma revisão do mesmo que tenha em conta as competências da digitalização, as competências para a vida como o pensamento crítico e um ensino mais prático que dê a segurança aos estudantes e aos futuros empregadores que os jovens estão preparados para o mundo do trabalho. Sentimos também que há uma discriminação negativa do ensino profissional face ao ensino regular e que é preciso criar estratégias para alterar isso. Portugal precisa de investir na formação dos seus quadros intermédios e a formação profissional é um pilar importante nesse investimento. Por outro lado, é preciso garantir a equidade no acesso ao ensino e que nenhum jovem fique para trás por questões económicas e, para tal, apostar na ação social escolar, garantir que todos têm os materiais necessários como computadores e Internet, ou investir na formação do corpo docente e técnico para as novas tecnologias. Estas são algumas das medidas que constam no Pacote de Medidas por uma Recuperação Económica e Social da juventude... E isto apenas na área da educação.

 

Entrevista de Rita Saias à Forum Estudante em maio de 2020 (Facebook Forum Estudante)

 

O que pensas das medidas tomadas até agora?

No CNJ, sentimos que as medidas que foram já tomadas como a Revisão do Regulamento de Atribuição de Bolsas, a legislação que vem permitir que um estudante endividado possa ainda assim continuar o seu percurso ou as soluções de alojamento a nível local que se estão a encontrar para combater a diminuição do número de camas nas residências de estudantes são importantes. Mas não são suficientes e continuaremos a trabalhar com os grupos parlamentares e Governo para que outras medidas que defendemos sejam implementadas.


Olhando em específico para a esfera profissional – e perspetivando a crise económica antecipada por muitos – que passos poderão ser dados para proteger os jovens e, em específico, os que estão em início de carreira ou se preparam para entrar no mercado de trabalho?

No Pacote de Medidas por uma Recuperação Económica e Social da Juventude defendemos um conjunto de medidas na área do emprego e da empregabilidade como a revisão do Programa Garantia Jovem (sobre a qual estamos já a trabalhar com a Secretaria de Estado do Trabalho e o IEFP) e o reforço da sua a implementação junto das autarquias. Por outro lado, defendemos um reforço da capacidade de fiscalização das condições de trabalho, especialmente no início de atividade profissional, porque são quem está mais vulnerável a abusos. A legislação do teletrabalho e a criação de um apoio específico para jovens trabalhadores (que podem ficar numa situação de abandono do ensino superior por verem os seus rendimentos reduzidos) são outros exemplos. Mas também entendemos ser necessário a criação de incentivos às empresas para a contratação de jovens e o desenho de um novo paradigma no emprego assente no trabalho digno, na diversidade de setores da economia, que privilegie o equilíbrio entre vida pessoal, familiar e profissional, bem como a descentralização geográfica na fixação de postos de trabalho e a aposta na aprendizagem ao longo da vida.

 

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Presidente do CNJ durante uma ação de sensibilização para prevenção e combate à Covid-19


Também já salientaste, no passado, a importância de manter a perspetiva, numa lógica de prezar as liberdades que temos e, em última análise, o nosso sistema democrático. Por outro lado, este vírus (ou o contexto que dele resulta) já foi apontado como uma “ameaça para a democracia”. Que impacto pensas que terá esta crise na ligação dos jovens com estes valores?

Pela primeira vez, a nossa geração viu-se privada de direitos e liberdades que sempre demos por garantidos aquando do Estado de Emergência. Acresce a isso o facto de sermos bombardeados com informação constante, nem sempre ser verdadeira, e o medo que nos assola a todos quando percebemos que não está tudo controlado e que existe de facto algo invisível que nos pode atirar para uma cama de hospital sem darmos por isso. Estes são os ingredientes perfeitos para surgirem discursos populistas ou para confiarmos cegamente nas instituições sem exigirmos a devida prestação de contas. É importante ter isso em conta, confiar nas instituições e no trabalho que fazem, mas não nos desresponsabilizarmos das respostas que são dadas, da sua análise crítica e da supervisão cívica das políticas públicas. É necessário estarmos envolvidos nas discussões e na criação das soluções a nível local, nacional, regional e global. Eu diria que esta pandemia pode ter um impacto muito positivo na democracia e na aquisição dos valores democráticos como o respeito pelo Estado de Direito, pela liberdade, pela igualdade, se nos mantivermos comprometidos com o escrutínio público e com a nossa responsabilidade individual. Mas também pode ter o efeito contrário, se se criar um clima de desconfiança nas instituições e se deixarmos de tomar conta deste bem comum que é a liberdade. O impacto ainda está por ser medido, mas tenho total confiança na minha geração de que será positivo.

Enquanto presidente do CNJ, há alguma mensagem que queiras deixar aos jovens portugueses?

Quero deixar duas mensagens muito simples. Uma primeira de esperança e de perseverança. A nossa geração é a melhor preparada para enfrentar esta crise e iremos fazê-lo, em conjunto e sem deixar ninguém para trás. Uma segunda mensagem, o CNJ existe para servir a juventude, portanto, estamos aqui para vos ouvir e dar voz às vossas preocupações. Deixo o meu e-mail para que o possam fazer diretamente: Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.