Entrar no Ensino Superior dá início a um novo desafio, que é ainda maior para aqueles que estudam deslocados. A par com a incerteza das colocações, em muitos dos casos, está a dificuldade em encontrar um local para habitar. Entre casas, quartos e residências, estas últimas, se forem públicas, são mais económicas e podem abrir as portas para uma experiência surpreendente.
Nas residências, os quartos são, geralmente, partilhados por dois estudantes, e a opção de ter um quarto individual pode só estar disponível nos anos seguintes, nem sempre existindo. As cozinhas são partilhadas e as casas de banho também, para a grande maioria dos quartos.
Não faltam salas de estudo e espaços de convívio, mas as práticas não são todas comuns, assim como a experiência dos estudantes, que depende das pessoas que com que traçam este percurso. Incontornavelmente, os últimos meses fugiram à regra e proporcionaram menos momentos coletivos, devido à pandemia por covid-19.
As universidades e institutos politécnicos disponibilizam alojamento para os estudantes, para o qual os recém-colocados se podem candidatar depois do período de inscrições e matrículas. O número de camas é limitado e varia consoante a instituição, mas os alunos com bolsa têm um lugar prioritário. Entre pontos positivos e negativos, uma das maiores vantagens, e a mais destacada pelos estudantes, é o preço a pagar pelo alojamento, que no caso dos bolseiros pode ser nulo.
“Sinto-me muito feliz e faria tudo igual”
A primeira viagem pelas residências foi até à Covilhã, para conhecer Diogo, estudante de Medicina, que vive ali desde que entrou no ensino superior, em 2016. Por ele, já passaram muitos colegas de quarto, preferindo sempre dividir com novos residentes. Grande parte do seu tempo é passado nas salas de estudo, e Diogo recorda uma “tradição” da residência – às 3h, o grupo que estava a estudar saía da residência e ia até uma fábrica comprar bolos para um lanche noturno.
“Estar na residência melhora o meu estudo, é bom ter um espaço só para estudar e não ter de fazer tudo no quarto”, conta o estudante, explicando que é impossível alguém sentir-se sozinho, porque há sempre colegas com quem conversar: “Eu sinto-me muito feliz por ter vindo para a residência quando era caloiro, as vantagens de viver aqui são mesmo as pessoas que conhecemos e que marcam o nosso percurso”. Dos 5 anos passados na residência, leva consigo uma maior capacidade de aceitação e compreensão multicultural - antes da covid-19, até jantares com um prato de cada país faziam.
“Ajudou-me a integrar mais facilmente”
Seguindo para norte, a segunda paragem realiza-se em Braga, para conhecer Rafaela, de 18 anos, que é também uma estudante deslocada. Depois de um primeiro ano na residência, a estudante agora procura uma casa. Não adorou a experiência e não criou grandes ligações com os colegas dali, mas sim com os do curso. “As residências são boas principalmente para quem está no primeiro ano, porque são mais seguras e acompanhadas. A mim, ajudou-me a integrar mais facilmente”, conta.
A Covid-19 não permitiu tirar o melhor partido desta experiência. Rafaela conta que a pandemia levou os estudantes a isolarem-se, e que esse foi um período difícil. Havia várias questões com as quais não estava tão confortável, sentindo-se melhor quando ia a casa de amigos: “Para mim, o estudo, por vezes, era mais difícil por causa do barulho, e tinha de pôr fones, mas chegou a ser também uma ajuda, o facto de estar na residência, porque fiz chamadas com colegas de lá e havia entreajuda”.?
“Se pudesse, voltava para lá”
Voltando a descer, até à cidade dos estudantes, conhecemos Eva, de 23 anos, que completou a licenciatura em Farmácia em Coimbra. Eva lembra que adorou os anos na residência e garante que, “se pudesse, voltava para lá”. Agora, que foi viver para uma casa, conta que sentiu “uma grande falta de chegar e ter a quem contar as coisas, com quem rir”. “Na minha ala, nós criámos uma confiança muito grande umas com as outras, jantávamos e saíamos todas juntas. E havia um grande sentimento de proteção”, explica.
Como não desenvolveu relações mais intensas, por falta de identificação, com as pessoas do curso, a residência era o seu escape, o sítio onde chegava e se sentia em casa. A cozinha era o local onde passava mais tempo, até para estudar, e sempre com companhia. “Acho que toda a gente devia passar pela experiência de viver numa residência, cresce-se muito e contacta-se com coisas que nunca mais iremos contactar, tanto boas como más”, conta a estudante, que lembra os momentos vividos na residência como os mais marcantes da licenciatura. Ali, no seio do seu grupo de amigas, não eram necessárias ocasiões especiais para jantarem todas juntas. Nos aniversários, havia sempre um presente e um bolo, “éramos mesmo muito íntimas”.
“A grande vantagem são as pessoas”
Setúbal foi a última etapa, para falar com Marisa, estudante de Fisioterapia, que vive há dois anos numa residência. Marisa viveu os primeiros meses sem as consequências da pandemia, o que dividiu a experiência em dois momentos distintos. Agora, os quartos duplos tornaram-se individuais e aquele local sabe menos a casa do que soube anteriormente. "A grande vantagem de viver na residência é o preço, mas são também as pessoas. A maioria das pessoas mais próximas de mim, conheci na residência”, conta.
A estudante sente que existe uma maior proximidade vivendo neste ambiente, particularmente entre as pessoas que dividem cozinha. De manhã, havia um grupo que se reunia para ir para a escola, e, depois das aulas, as atividades não faltavam. Juntavam-se todos nos quartos uns dos outros, ou só para beber chá, sair e até mesmo passar o serão a jogar às cartas.
A paciência foi uma das características que ali trabalhou e melhorou, principalmente no que toca ao incumprimento das responsabilidades de limpeza dos espaços comuns. Mesmo dentro do quarto, a experiência foi mais complicada ao início, mas na maior parte do tempo a relação era boa, conclui: “Antes de escolher entre uma casa ou uma residência, o estudante deve ter em conta as possibilidades económicas e as condições das casas, porque algumas não compensam em relação à residência. Para além de que podem sempre experimentar e, se não gostarem, não voltam a repetir a experiência”.