Atriz profissional, encenadora, escritora e professora. Maria Caetano Vilalobos tem 30 anos, é licenciada em Teatro e mestre em Interpretação e Direção Artística. Recentemente, lançou o seu livro e espetáculo “Mulher, Posso e Mando”. A sua atuação no programa “Got Talent Portugal” viralizou “de uma forma que não esperava”. A ligação com a poesia vem de família e, em conversa com a FORUM, partilhou como o gosto surgiu, o que a inspira e a sua vida enquanto professora e artista.
Como é que surgiu o gosto pela poesia e pela escrita?
Foi o meu avô, que escrevia fados. Ele começou a ensinar-me a escrever poesia, a contar as sílabas, como é que funcionava a forma muito, muito cedo. E eu ganhei uma paixão. Até fazia desenhos explicativos. Depois, comecei a escrever poemas e, quando entrei na primária, participei com poemas em concurso e um deles foi publicado no jornal Caracol, que era o jornal da terra. Lá em casa entre os meus pais e o meu avô, ficámos com todos os exemplares possíveis (risos). O meu avô sabia muitos poemas de cor e dizíamos, aprendi com ele. Fui influenciada pela minha família, porque o meu pai tem um livro de poesia, a minha mãe também escreve poesia e alguns dos meus irmãos – tenho quatro – também escrevem.
Podes explicar aos nossos leitores o que é o Spoken Word?
Spoken Word é a palavra falada, tal como indica a tradução direta. Significa que é uma estética de texto dito, ou seja, no fundo, é poesia dita de forma interpretativa ou enfática, como tu queiras chamar. Nasceu como um movimento interventivo e por isso é que eu o agarrei com algum vigor. Assim como o Poetry Slam, que são competições de poesia que não têm de ser necessariamente interventivas, mas que nasceram para o ser.
Como é que defines a tua passagem pelo Got Talent de Portugal? Sentes que ajudou a expor mais a tua poesia e o teu trabalho?
Absolutamente. Mesmo que não sentisse, acho que os números falam por si. Fui muito bem recebida e fiquei muito surpreendida pela positiva pela quantidade de amor que recebi. O poema [que interpretei] viralizou de uma forma que eu não esperava e o meu alcance aumentou bastante.
O que te inspira para escrever?
A vida. Há várias Marias poéticas. Este tipo de conteúdo no qual me estou agora a focar nasce de notícias, de testemunhos, da minha experiência empírica, de sair à rua. Por isso, no fundo, pode ser qualquer coisa. Pode ser uma notícia que me dá nervos e que eu vou logo escrever.
E quais são os temas que inspiram?
O existencialismo, sem dúvida. Porque é que aqui estamos e para onde caminhamos. Este choque de fé é a religião. Os desamores. As homenagens. Tenho vários poemas que são homenagens a certas pessoas, a certos momentos.
Quais são os autores que tens enquanto referências?
A Maria Teresa Horta, que generosamente me recebeu em casa dela para me dar conselhos e ficou com o manuscrito do meu livro antes dele sair. É inevitável dizer que Fernando Pessoa me impactou. No [ensino] secundário, até houve uma altura em que eu escrevia com heterónimos, que depois passaram a ser só pseudónimos
«Penso que a maior responsabilidade é dar aos alunos autonomia, estimular o pensamento crítico, a empatia e o trabalho em equipa»
És atriz, encenadora, escritora, mas também és professora. Podes falar um pouco sobre o que é que é ensinar expressão dramática e o que é para ti ser professora?
Ensinar expressão dramática acaba por ser muito uma aula de educação emocional. Isto porque os próprios alunos descrevem isso, ou seja, é um desenvolvimento de empatia, de ajudar o outro. Acho que passa por criar esse lugar de aprender como gerir as emoções e expressá-las. Um ser ridículo sem ser julgado. E depois, claro, jogos dramáticos, ferramentas de improvisação, de memorização, que também são uteis para todas as disciplinas. Penso que a maior responsabilidade é dar aos alunos autonomia, estimular o pensamento crítico, a empatia e o trabalho em equipa.
Como é que tu transmites nas aulas o que te inspira e como é que ajudas os alunos a transmitir aquilo que os inspira?
Os meus alunos dizem que sou muito filosófica quando dou os exercícios, mas todos os exercícios práticos têm por trás uma parte filosófica. Sobretudo porque são analogias. O exercício do barco, por exemplo, que é um exercício que todos os professores de teatro fazem – tu caminhas no espaço de forma a equilibrar o barco, ou seja, também para teres uma noção de distribuição no espaço, no palco. Tens que saber gerir muito bem para não tapar ninguém.
Quem tem medo de subir a palco, tem espaço para mo dizer, dou-lhes a autonomia para escolherem quando estão prontos, porque em expressão dramática não há testes. Se eu te obrigar a ir para palco, tu não vais sentir a magia que é sentires-te empoderado. Vais sentir o medo e essa experiência fica ali enraizada. Um dia que sejas médico, por exemplo, e em que tenhas que dar uma conferência para um público, vais buscar essa memória enraizada. Eu acho que é importante compreender isso. O primeiro contacto com o palco pode mudar a perspetiva de discurso público.
Os alunos são recetivos a todos os exercícios que apresento, largam o telemóvel. Eles próprios agradecem ter esse momento, em que estão de pé, não estão obrigados a estar no lugar e em que podemos ser “ridículos” juntos.
Lançaste recentemente o livro “Mulher, Posso e Mando” e também fizeste um espetáculo. Podes explicar-nos o processo criativo por trás destes dois trabalhos?
Saber qual é que nasceu primeiro é quase como o processo da galinha e do ovo. Alguns poemas nasceram já há bastante tempo e fui compilando conforme eles faziam sentido juntos, da mesma forma que tenho compilações de outras temáticas. Depois, fui para uma residência artística em Serpa onde propus construir um espetáculo chamado Femme Poetry, que acabou por se transformar no “Mulher, Posso e Mando”. Os poemas que escrevi na residência artística juntaram-se aos que eu já tinha escrito e havia uma open call da editora Urutau em que eu queria participar. Foi na altura que fiz a candidatura para o Got Talent Portugal – foi uma semana de férias que decidi que seria passada toda a trabalhar. Eles nasceram muito juntos e também foram pensados para andar juntos, para fazer o espetáculo com livro.
Como é que era a Maria enquanto aluna?
Irrequieta. Uma professora em tempos chamou-me “diabólica”, mas adorava-me. Não andei na pré-primária e já sabia ler e fazer contas, porque a senhora que tomava conta de mim era professora. Mas custou-me muito adaptar à primária, porque aprender uma coisa que já sabia foi desanimador. Acabava os exercícios muito rápido, então punham-me a ajudar os outros. No ensino secundário, passei de irrequieta a contestatária. Questionava muito.
«O primeiro contacto com o palco pode mudar a perspetiva de discurso público»
O que tens a dizer a quem nos lê que queira começar a escrever ou a declamar poemas como tu?
Posso partilhar a minha experiência: por volta dos 16 anos fui viver para Castelo Branco e estava a passar um mau bocado. Fiz um workshop de escrita criativa, onde gostaram dos meus textos, mas eu entrei em pânico e não os enviei, como me pediram. Parei durante uma boa temporada de partilhar textos com as pessoas, tirando algumas muito íntimas. Com medo de falhar. Já era atriz profissional quando fui ao meu primeiro evento de poesia declamar e ia a tremer que nem varas-verdes, ninguém diria que era atriz naquele momento. Estava muito nervosa e guardo o vídeo para relembrar. O que eu digo é: vão lá, levem o papel, tremam o papel. Não têm nada a provar a ninguém. Sintam os joelhos a bater um no outro, mas não deixem nada por dizer.