Em Portugal, 64% dos jovens entre os 15 e os 16 anos já fez apostas desportivas online, um valor quase 10% acima da média europeia. Os números são retirados do relatório European School Survey Project onAlcoholandOtherDrugs (ESPAD), que mostra também que 50% dos jovens com essa idade já fez este tipo de apostas presencialmente – a média europeia é 45%.

A ligação dos mais jovens ao jogo tem sido também ilustrada com outras estatísticas. De acordo com o Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos (SRIJ), no terceiro trimestre de 2023, por exemplo, 32.5% dos novos registos em plataformas de jogo online legal eram feitos por utilizadores com idades entre 18 e 24 anos.

 

 


«Parece inofensivo ao início, mas depois acaba-se por apostar muito dinheiro» 
Estudante anónima, 17 anos


 

 

Estes dados explicam, em parte, o crescimento do ramo dos jogos a dinheiro em Portugal, mais especificamente no online. No ano de 2024, os portugueses apostaram, em média, 56 milhões de euros em jogos online por dia. Quando o ano terminou, de acordo com SRIJ, o valor total de apostas online foi superior a 20 mil milhões de euros, com cerca de 10% a vir das apostas desportivas. 

Olhando especificamente para o fenómeno das apostas desportivas, a 31 de dezembro de 2024, de acordo com a Forbes, haviam, em Portugal, 13 licenças atribuídas para exploração de apostas desportivas à cota. Segundo relatórios trimestrais, elaborados e divulgados pelo SRIJ, registou-se um total de receitas superior a 2 mil milhões de euros relativamente às apostas desportivas nesse mesmo ano.

 

 

Recentemente, o tema foi discutido no Parlamento, com o Livre a apresentar um pacote de iniciativas relacionadas com o jogo online e a venda de raspadinhas, com apenas cinco a seguir para um trabalho mais aprofundado. Entre as questões discutidas encontravam-se a limitação à publicidade a jogos e apostas na Internet, a proibição de publicidade destes jogos por parte de influencers e figuras públicas, proibição do patrocínio a eventos e competições por casas de apostas e o dever de avisar sobre o potencial de adição dos jogos de azar.

Vai uma aposta?

A expectativa é que o mercado do jogo a dinheiro continue a crescer projetando-se que, mundialmente, segundo a plataforma Statista, que este mercado global tenha em 2025 uma receita a rondar os 450 mil milhões de dólares – cerca de 386 mil milhões de euros, um valor superior ao PIB português. Segundo a mesma plataforma, espera-se que o número de utilizadores neste mercado chegue quase aos 2 mil milhões em 2030.

  


«Comecei a fazer apostas com 16 anos, usando a conta de um primo» 
Estudante anónimo, 23 anos


 

Estes dados não incluem os valores envolvidos no mercado de jogo ilegal, uma fatia significativa deste universo. De acordo com a Associação Portuguesa de Apostas e Jogos Online (APAJO), por exemplo, "40% dos portugueses continuam a apostar em plataformas ilegais", com esse valor a ser ligeiramente mais alto (43%) nos utilizadores entre os 18 e os 34 anos.

No que diz respeito a Portugal, a investigação BlindGame: As atividades de jogo de azar ‘online’ dos jovens portugueses” do Observatório Social da Fundação La Caixa, mostra-nos o impacto dos jogos a dinheiro junto da população entre os 15 e os 34 anos. Dos mais de 2 mil entrevistados para este estudo, cerca de 68% já tinha “apostado em dinheiro em algum jogo”.

 

 

Os dados recolhidos mostram também que existe um maior envolvimento da faixa etária mais jovem (15 e 24 anos) com o jogo online, enquanto as pessoas com idades entre os 25 e 34 anos apostam mais offline. 

Quando efetuam apostas, a grande maioria (60%) gasta mensalmente 20 euros ou menos, mostrando, segundo o estudo, “algum controlo de gastos neste tipo de atividades”. Contudo, há quem aposte entre 41 e 100 euros (11,7%) mensalmente, com 7,3% dos participantes a revelar gastar mais de 100 euros e uma minoria (1,8%) a afirmar que investe mais de 250€ neste tipo de jogos. 

 


«Tornou-se um vício quando arranjei um trabalho, apostava regularmente quantias altas e tinha de estar sempre atento aos jogos» 
Estudante anónimo, 23 anos


 

“Parece inofensivo ao início”

A FORUM esteve à conversa com dois jovens, que permaneceram em anonimato, sobre o seu contacto e experiência com o mundo dos jogos a dinheiro. “Vejo que, na minha idade, as apostas começam por brincadeira e pela piada”, conta-nos uma estudante de 17 anos do ensino secundário, antes de acrescentar: “Parece inofensivo ao início, mas depois acaba-se por apostar muito dinheiro”. 

“Cada vez mais se assiste a um começo precoce no envolvimento do jogo a dinheiro”, explica-nos Ana Cristina Antunes, professora e investigadora da Escola Superior de Comunicação Social, que fez parte da equipa do estudo BlindGame. Falamos de uma geração “presente online” e “exposta a múltiplos estímulos”, mas Ana Cristina Antunes assinala: “os comportamentos de jogos a dinheiro que os jovens têm online, não são os mesmos que têm offline”.

 

 

Esta entrada precoce no mundo dos jogos a dinheiro foi confirmada por outro dos nossos entrevistados, que relatou o seu caso. “Comecei a fazer apostas com 16 anos, usando a conta de um primo”, conta. Aquilo que ao princípio parecia brincadeira, acrescenta o estudante de 23 anos, atualmente no Ensino Superior, tornou-se um vício. 

“Tornou-se um vício quando arranjei um trabalho, apostava regularmente quantias altas e tinha de estar sempre atento aos jogos”, confessa, antes de acrescentar: “Senti que estava a correr muito bem, em cinco apostas ganhava duas ou três e, com a adrenalina, apostava sempre mais”. 

 


«No IAJ, nos últimos anos, a faixa etária do jogador patológico anda entre o 23 e os 25 anos» 
Pedro Hubert, diretor do Instituto de Apoio ao Jogador


 

O impacto deste vício levou este jovem a afastar-se do mundo do jogo a dinheiro e das apostas desportivas. “Conheço gente que aposta e quando falam sobre o tema tenho de me afastar para não voltar a sentir a tentação de apostar”, conta à FORUM. Com a ajuda de amigos que também estiveram neste mundo, afastou-se gradualmente e revela: “Já não aposto há um ano e meio”. 

Um novo perfil de jogador

O “perfil do típico jogador” está a mudar, confirma-nos o diretor do Instituto do Apoio ao Jogador (IAJ), Pedro Hubert. Há cerca de vinte anos, o perfil era um “jogador de casino e de euromilhões, entre os 40 e os 50 anos”“Depois da aparição do jogo online, a média baixou para os 30 e anda agora pelos 20”, acrescenta. 

“No IAJ, nos últimos anos, a faixa etária do jogador patológico anda entre o 23 e os 25 anos”, partilha antes de assinalar: “O facto de eles serem tão novos não quer dizer que tenham começado a jogar com essa idade, muitos começaram a jogar quando ainda eram menores”. 

 

 

E o que pode levar um jovem a jogar? Além do marketing e da acessibilidade, existem igualmente outros fatores, conta Pedro Hubert: “O gosto pela competitividade e pelos desafios, possuir uma personalidade forte ou ter dificuldades financeiras”. O jogo pode tornar-se mais que recreativo, tornando-se um escape, oferecendo “adrenalina, euforia e excitação”.

O cruzamento do mundo das apostas com a gamificação traz ainda desafios adicionais. “Outro dos fatores são os videojogos, com componentes como as lootboxes, as skins e “os jogadores [cartas] no FIFA”, conta Pedro Hubert que destaca a "evidência científica de que quem teve problemas com microtransações nos jogos, desenvolve problemas com jogo a dinheiro”.

Os “pedidos de dinheiro” a “familiares e amigos”, “passar muito tempo à frente do ecrã”, “em sites de apostas desportivas, fóruns ou grupos de dicas”, “alterações de humor” ou “abdicar de atividades que gostava”, são alguns dos sinais a ter em conta quando se desenvolve a adição, alerta o especialista. “Começa sempre com uma vontade de ganhar mais e depois os jogadores querem recuperar o dinheiro que perderam e não descansam, continuando a apostar”, alerta Pedro Hubert.