A tarde é de sol e Marcelo Alexandre recebe-nos na Praceta do Autódromo, no Bairro da Cruz Vermelha, em Alcabideche, Cascais. É aí que se situa o projeto Bº Lab, em que o jovem é dinamizador comunitário. “O nome lê-se ‘be’, como o verbo em inglês”, começa por explicar. Entramos no edifício e na sala ampla, onde um grupo de crianças e jovens estão sentados, no sofá e no chão, sob o olhar atento da técnica Teresa Oliveira. Disputa-se uma partida de EAFC 24. Há um golo e o entusiasmo instala-se. “Olha, Marcelo”, diz uma das crianças, que quer mostrar a repetição do lance ao dinamizador. Marcelo sorri enquanto diz: "Quando o jogo terminar vão começar as atividades”.

“Vamos para um lugar mais calmo”, sugere-nos Marcelo. O jovem, de 21 anos, está no projeto desde a sua criação, em novembro de 2023. Conta que passou “quase toda a vida” no Bairro da Cruz Vermelha, mudando-se para lá ainda criança. "Senti que um programa como o Bº Lab fazia falta no meu desenvolvimento enquanto pessoa”, revela. 

O Bº Lab celebrou o seu primeiro aniversário a 13 de novembro. Este é um projeto cuja missão é “trabalhar com os jovens, para os jovens”, conta Marcelo, tendo em vista a combater o absentismo e o abandono escolar. Neste momento, frequentam o projeto cerca de 40 participantes. Segundo Marcelo, o impacto é palpável: “Os miúdos chegam aqui e percebem que conseguem melhorar as suas competências dentro da escola”. 

 

 

 

 

“Olhando para a minha realidade e para a realidade das pessoas que estão à minha volta, consigo perceber que os jovens com quem trabalhamos precisam muito de afeto e atenção”, refere Marcelo Alexandre – “É algo que se calhar por vezes não têm em casa”, acrescenta. No Bº Lab, os participantes realizam atividades de informática e artes, integrando também sessões de estudo. Atividades desportivas também fazem parte do programa. “Fazemos qualquer tipo de atividade fora do espaço que envolva entreajuda, empatia e afeto”, conta Marcelo. 

O projeto foi, desde o primeiro dia, financiado pelo Programa Escolhas. “Tem sido um grande apoio”, explica Marcelo, antes de completar: “As formações do programa levam-nos ao encontro do que precisamos e assim criamos novas saídas, não só para nós, como também para os miúdos”.

Mais do que financiamento 


“O Programa Escolhas nasceu na altura como resposta a um aumento da criminalidade juvenil”
, começa por explicar à FORUM o Coordenador do programa para as regiões de Lisboa, Sul e Ilhas, Rui Dinis. A primeira geração da iniciativa começou como um programa piloto, em 2001, que foi desenvolvido em 50 bairros previamente identificados nos distritos de Lisboa, Porto e Setúbal. “O objetivo era desenvolver nesses 50 bairros planos de atividade com as entidades locais”, conta Rui Dinis, antes de continuar: “O Escolhas estava no bairro e foi diretamente para o terreno”



«Os miúdos chegam aqui e percebem que conseguem melhorar as suas competências dentro da escola»

Marcelo Alexandre, dinamizador-comunitário no Bº Lab



Atualmente, o programa está integrado no Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ) e vai na sua 9.ª edição (2023-2026), que envolve 30 mil jovens e com o objetivo de crescer até aos 40 mil. Ao longo das mais de duas décadas de existência, a iniciativa já beneficiou cerca de 460 mil crianças e jovens, apoiando cerca de 800 projetos em todo o país, revelou a antiga ministra Adjunta e Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, em junho de 2023. O Escolhas presta apoio financeiro, incluindo ainda momentos de formação e o acompanhamento das atividades realizadas. 

Essa mesma ideia é destacada por Rui Dinis: “O Escolhas não é só um programa que financia”. “É feito um acompanhamento de todos os projetos, com estes a terem de apresentar um relatório de seis em seis meses, estando o programa e os projetos sempre em articulação, de forma a assegurar o melhor funcionamento e o cumprimento dos objetivos”, conta, deixando uma garantia: “A partir do momento em que o projeto inicia a sua atividade não é deixado em autogestão”

 

De local a nacional


A maior transformação do projeto deu-se em 2004 quando, em vez de trabalhar com territórios identificados, o Programa Escolhas passou a ser um programa aberto a candidaturas vindas de projetos de todo o país. Neste formato, instituições, entidades públicas e privadas, juntam-se em consórcios e elaboram projetos. “A análise das candidaturas é feita internamente e por entidades externas, totalmente independentes, que compõem o júri e verificam se as instituições cumprem todos os requisitos e critérios”, diz-nos o Diretor do Programa Escolhas, Francisco Neves.  

Os projetos que se candidatam ao Programa Escolhas, são “projetos que nascem na comunidade”, afirma Rui Dinis. A seu lado, Francisco Neves completa a ideia: “A comunidade vai à procura de uma resposta, que existe a nível nacional e que já tem, em alguns territórios, projetos há mais de 5 gerações”. O programa procura financiar projetos que trabalhem o combate às dificuldades a nível escolar, onde se enquadram problemas como o absentismo ou retenções, bem como dificuldades de acompanhamento familiar. “Se não fosse o acompanhamento que estes projetos fazem, os jovens ficariam sozinhos”, indica o diretor do Programa Escolhas.

 

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O Escolhas é um programa que abrange jovens dos 6 aos 24 anos e, para Francisco Neves, tem como objetivo "dar a oportunidade de ganhar experiência e mundo, para romper com aquele símbolo predestinado de isolamento dentro do bairro". Rui Dinis revela ainda a que diz ser a principal preocupação do projeto: “Ter a certeza que conseguimos responder a todos os que precisam do nosso apoio”

Embora não exista uma avaliação de impacto de todas as gerações, contam os coordenadores, os indicadores recebidos pelo Programa Escolhas são positivos. “Os participantes mais regulares rondam os 90% de sucesso escolar e são centenas os jovens que ajudamos a encaminhar e a integrar para emprego, formação profissional e regresso à escola”, indicam. Futuramente, está previsto o agendamento de uma avaliação que procure perceber onde estão os jovens que já passaram pelo Escolhas, de forma a “ter dados mais consistentes”.

No Bairro da Cruz Vermelha, Marcelo Alexandre guia-nos pelas várias salas do projeto Bº Lab. Terminado o jogo de EAFC 24, o ambiente acalmou e, como prometido, as atividades planeadas já se iniciaram. Reunidos em círculo, os participantes realizam uma dinâmica, com muitas gargalhadas e diversão à mistura, com alguns abraços e sorrisos pelo meio. A imagem dá forma à ideia de comunidade destacada por Marcelo Alexandre. "Temos sido muito protetores uns dos outros", conta o jovem de 21 anos, que deixa uma garantia: "Aqui, construímos uma família”.