“Sentia que era desfigurada” ou “passo horas a olhar para o espelho e não estou satisfeito com o meu corpo”. Ambas as frases são declarações de pessoas que lutam contra a Dismorfia Corporal.
Baixa auto-estima, obsessão com aparentes defeitos no corpo e comportamentos repetitivos são alguns dos sintomas da doença. Trata-se de um transtorno psicológico “caracterizado por uma preocupação desproporcionada com um detalhe na aparência da própria pessoa”, explica-nos a página da CUF.
Segundo a National Library of Medicine, estima-se que a dismorfia corporal afete entre 0.7 a 2.4% da população global. De acordo com a International OCD Foundation, nos Estados Unidos da América (EUA), cerca de 2% da população adulta – entre 5 a 10 milhões de indivíduos, sofrem deste transtorno.
«Baixa auto-estima, obsessão com aparentes defeitos no corpo e comportamentos repetitivos são alguns dos sintomas da dismorfia corporal, que se estima que afete entre 0.7 a 2.4% da população global».
Autoestima e saúde mental
Em declarações à NiT, a psicóloga clínica Júlia Machado esclarece que a disforia corporal “geralmente” começa durante a adolescência, ocorrendo “mais frequentemente em mulheres”. Contudo, explica, o transtorno não é de fácil diagnóstico pois “muitas pessoas sentem-se envergonhadas em revelar os sintomas ou porque acreditam que são realmente feias”.
"A dismorfia corporal afeta principalmente a autoestima da pessoa, fazendo com que sofra consequências negativas ao tentar estabelecer relacionamentos sociais ou profissionais", acrescenta a mesma fonte, antes de completar: “Devido aos pensamentos delirantes sobre diversos defeitos físicos no seu corpo, a pessoa com dismorfia corporal sente-se constantemente insatisfeita e insegura com a sua imagem".
A CNN Portugal noticiou, em 2023, que, nos Estados Unidos da América (EUA), quarenta procuradores-gerais moveram um processo judicial contra a Meta, empresa dona do Facebook e do Instagram, por “prejuízo à saúde mental de milhares de crianças e jovens”. As alegações contra a empresa baseavam-se nas funcionalidades “que viciam os utilizadores” e que estas redes sociais “promovem a comparação social e a dismorfia corporal”.
No mesmo artigo, um dos impulsionadores do projeto Agarrados à Net, Tito de Morais, alertou para a presença de muitos dos mecanismos utilizados nos jogos de azar nas redes sociais. “Prejudicam a saúde mental e saúde física e é importante percebermos o mecanismo de funcionamento destas funcionalidades que nos fazem manter agarrados”, avisou.
“Se houver alguém que tenha tendências depressivas e tendência para ver conteúdos depressivos, o algoritmo vai mostrar mais conteúdos desse género [...] Por isso é que temos mais casos de suicídio, bulimia, anorexia e comportamentos autolesivos”, explicou Tito de Morais quanto ao funcionamento do algoritmo.
Dismorfia corporal e adolescência
“Antes das redes sociais, era a televisão”, esclarece a psicóloga infantil e analista comportamental, Reena B. Patel ao yahoo!life. “Os programas televisivos e as revistas mostravam imagens físicas irrealistas que até os mais jovens – não precisam de ser adolescentes – sentem que têm de corresponder”, continua.
De acordo com um estudo, divulgado pela National Organization for Women, cerca de 53% das jovens americanas está “insatisfeita” com o seu corpo. Um número que aumenta para 78% quando estas alcançam os 17 anos de idade. Este é um problema que também afeta jovens do sexo masculino, com uma investigação do Europe PMC a revelar que aproximadamente 20% dos rapazes têm preocupação quanto ao seu aspeto físico.
No meio disto tudo, os especialistas concordam que as redes sociais desempenham um papel no desenvolvimento destes transtornos. No artigo “O impacto das redes sociais e das marcas na perceção corporal e na saúde dos jovens”, a autora Marta Lopes, embora admita “ser visível um progresso significativo na criação de um mundo mais inclusivo”, reconhece que “muitas das representações nas redes sociais não são autênticas”.
“A disseminação de padrões irreais de corpos, muitas vezes fabricados pela edição de fotos e vídeos e recentemente, também pela inteligência artificial, pode distorcer a perceção da realidade e contribuir para problemas de saúde mental e bem-estar nos jovens”, conclui a autora.
«A procuradora-geral do estado de Nova Iorque, Letitia James, denunciou o impacto negativo dos “filtros corporais”, afirmando que estes causam “problemas como dismorfia corporal e outros problemas de saúde”».
Um estudo levado a cabo no Reino Unido, e citado pelo The Guardian, refere que cerca de 97% das crianças até aos 12 anos estão nas redes sociais. Aproximadamente 70% desses jovens dizem que as redes sociais os fazem “sentir stressados, ansiosos e deprimidos”, com muitos também a mostrar preocupação pelo tempo que passam online por dia – em média 3.65 horas.
Numa reportagem de 2021 da mesma publicação, é referida uma investigação do Instagram levada a cabo pelo Facebook que menciona que esta aplicação tinha “um impacto profundo” em jovens raparigas devido ao seu foco no corpo e lifestyle. O estudo afirmou mesmo que a “comparação social” era pior no Instagram e a pesquisa apontava para o separador “Explorar” da app, onde o algoritmo agregava recomendações para o utilizador. A própria investigação confirmava que “certos aspetos do Instagram juntos podem criar uma tempestade perfeita”.
Outra aplicação visada é o Tik Tok. No final de 2024, mais de uma dezena de estados norte-americanos, liderados pela Califórnia e Nova Iorque, avançaram com um processo contra a rede social alegando que esta estava “desenhada para manter os jovens viciados”. A NPR citou a procuradora-geral do estado de Nova Iorque, Letitia James, que num comunicado denunciou o impacto negativo dos “filtros corporais”, afirmando que estes causam “problemas como dismorfia corporal e outros problemas de saúde”.
“Uma preocupação excessiva com os seus defeitos”
Algumas figuras públicas, como Robert Pattinson, Billie Eilish, Demi Lovato, Ed Sheeran ou Jameela Jamil já falaram publicamente sobre a sua luta com distúrbios alimentares ou corporais. A dismorfia corporal é uma doença que se diagnostica “quando a pessoa desenvolve uma preocupação excessiva com os seus defeitos, que outras pessoas pensam ser insignificantes, ou nem reparam neles”, diz à NiT a psicóloga clínica Júlia Machado.
“Também pode acontecer quando a pessoa repete várias atividades ou pensamentos, como por exemplo: olhar-se no espelho, vestir-se e arranjar-se excessivamente ou comparar-se demasiado com os outros. Isto acontece devido à grande preocupação que têm com a aparência”, continua a psicóloga.
Ansiedade, depressão, isolamento social, bem como comportamentos obsessivo compulsivos podem ser algumas das consequências da dismorfia corporal.
Em declarações à publicação Veja, o psicólogo Gustavo Arns recomenda cautela na utilização destas ferramentas digitais por parte dos adolescentes, sugerindo uma monitorização por parte dos pais e também um maior acompanhamento, respondendo a possíveis dúvidas que estes possam ter. Outras sugestões do psicólogo passam pela interrupção das comparações e o afastamento daquilo que gera insatisfação.