Quando falamos na geração Alpha, encontramos uma geração que, ao nascer, já tinha o mundo na palma da mão. Entre 2010 e 2024 – o período em que nasceu a Geração Alpha -, registou-se um crescimento no número de smartphones e aplicações disponíveis, com os estes dispositivos a tornarem-se mais baratos e mais acessíveis. Esta foi também uma era marcada pelo crescimento de marcas que são hoje algumas das principais empresas do mundo, como o Instagram, a Samsung, a Apple e a Google, como destaca o texto “Porque a Geração Z e a Geração Alpha são as gerações ansiosas”, publicado no portal Medium.
Ao analisar um conjunto de estudos, o artigo nota que os jovens com idades entre os 13-15 anos, veem a puberdade marcada pelas redes socias e por influencers que apresentam “pontos de vista extremos sem qualquer conhecimento”. O crescimento dos social media, segundo a mesma fonte, marcou igualmente o crescimento de fatores que influenciam e formam a identidade dos jovens adultos como: o FOMO (fear of missing out), uma menor auto-estima ou o impacto do cyberbullying.
«(…) esta é a geração com o maior número de nativos digitais da história, que está constantemente online, e que tem maior dificuldade a fazer amigos.»
Em março de 2024, o psicólogo e professor norte-americano Jonathan Haidt publicou o livro “A Geração Ansiosa: Como a Grande Reconfiguração da Infância Está a Provocar Uma Epidemia de Doença Mental”. Nele, Haidt analisa centenas de estudos de áreas como a psicologia, sociologia e outras ciências sociais, de forma a explicar como a evolução dos ecrãs, conjugado com o acesso à internet e as redes sociais, moldaram o cérebro e o comportamento dos jovens da geração anterior, a Geração Z.
Entrevistado pelo Público, em julho de 2024, o psicólogo sublinha os riscos da exposição das crianças aos smartphones, afirmando que uma infância “passada em frente a um ecrã, elimina talvez 80% ou 90% do desenvolvimento físico, social e cultural de uma criança”. Isto leva a que, acrescenta, as crianças “fiquem distraídas dos acontecimentos da vida real e muda o cérebro que passa a precisar de hiperestimulação”.
Num artigo para a BBC, a psicóloga espanhola Begoña Peraita, explicou que também as redes sociais – que se tornaram “um refúgio” para os jovens – podem ter trazido consequências ao estado emocional. Para a especialista, existem dois fatores que podem afetar de forma negativa os jovens: o uso excessivo como forma para evitar momentos de ansiedade e o uso enviesado, que os pode expor a conteúdos com os quais se podem comparar negativamente.
Um retrato da geração Alpha
O investigador social Mark McCrindle apelidou a geração Alpha como “marcante”, pois espera-se que esta seja a maior da história, contendo mais de dois mil milhões de pessoas. Num retrato geral, esta é a geração com o maior número de nativos digitais da história, que está constantemente online, e que tem maior dificuldade a fazer amigos.
Um indicativo da presença online dos Alpha é-nos dado pela Vox, que cita um estudo da YPulse onde é referido que, numa amostra de 4000 crianças com idades compreendidas entre os 8 e os 12 anos, 65% tem um iPhone e a mesma percentagem tem um iPad. Por comparação, os millennials (nascidos entre 1981 e 1996) só tiveram o seu primeiro smartphone, em média, aos 16 anos de idade. Esta novidade trouxe consigo mudanças comportamentais e emocionais.
«Crianças e adolescentes que utilizam redes sociais durante muitas horas por dia também têm um maior risco de desenvolver problemas comportamentais»
De acordo com a mesma pesquisa, que envolveu cerca de 4000 jovens dos Estados Unidos da América (EUA), Canadá, Alemanha, Reino Unido, Itália, Espanha e Espanha, cerca de 92% das crianças têm presença online e preferem assistir a vídeos curtos do que a filmes ou outros programas.
Outro dos comportamentos associados a esta geração é o consumo de produtos de beleza, como recorda a Bussiness Insider (BI). Um relatório da empresa NIQ, descobriu que grande parte (49%) do crescimento da venda de produtos de beleza nos EUA, em 2023, foi graças à Geração Alpha. A especialista citada no artigo sublinha que este é um comportamento que indicia níveis de ansiedade em relação ao envelhecimento, graças ao efeito de influencers e da geração mais velha: “Aqueles que cresceram no início dos anos 2000 e antes, foram sujeitos a critérios de beleza horrivelmente agressivos, o que danificou a autoestima e a imagem pessoal de muitas mulheres”.
A Geração Alpha precisa de amigos
Por terem crescido rodeados de tecnologia, o jornal norte-americano New York Post recorda que as crianças da Geração Alpha são apelidadas pelas gerações mais velhas como sendo “as crianças iPad”, devido ao tempo que passam a olhar para ecrãs. Contudo, ressalvam os autores do artigo, esta foi uma geração que se viu obrigada a adaptar rapidamente a imprevistos, devido a uma infância que foi passada, em parte, remotamente, devido aos confinamentos da pandemia da Covid-19.
De acordo Jyotsna Pattnaik, da Universidade da Califórnia, o impacto destas alterações trouxe consequências a vários níveis. Num estudo que regista as perspetivas de pais e professores sobre o impacto da pandemia da Covid-19 no bem-estar sócioemocional das crianças, Pattnaik conclui que “a privação social experenciada pelas crianças, tal como a falta de amizades, a ausência de aprendizagem e comunicação com os pares e a diminuição do tempo para brincar impactaram as competências de socialização, bem como a sua saúde mental”.
Prova disso, é a dificuldade que as crianças da Geração Alpha têm em fazer amigos. Um inquérito do C.S. Mott Children’s Hospital – que questionou mais de mil pais de crianças com idades entre os 6 e os 12 anos – revela que um em cada cinco pais afirma que o seu filho não tem amigos ou amigas suficientes. 90% partilha que os seus filhos gostavam de fazer mais amigos.
Falando à Axios, a psicóloga infantil norte-americana Tori Cordiano, explica que “muitas destas crianças não estiveram pessoalmente na escola, com muitas delas a demorar a voltar de forma consistente”. “Nós agora estamos a ver as consequências desse período”, conclui a psicóloga.
De acordo com o Serviço Nacional de Saúde (SNS), em Portugal, 20% das crianças e adolescentes têm, pelo menos, uma perturbação mental. Quase 31% têm sintomas depressivos, a maioria moderados ou graves. “Os sinais de alerta nem sempre são fáceis de identificar nas crianças”, recorda o SNS, no seu site, deixando um apelo: “Os pais e a comunidade escolar devem estar atentos”.
Os efeitos dos social media na Geração Alpha
Ao longo dos últimos anos, o efeito das redes sociais na saúde mental dos jovens começou a ser discutido e algumas ações começaram a ser tomadas. Na Austrália, por exemplo, o acesso às redes sociais foi banido para crianças e jovens até aos 16 anos. No Brasil, em dezembro de 2024, foi aprovada uma lei no Senado para restringir o acesso aos telemóveis nas escolas. Na Europa, países como a Grécia, a Hungria, os Países Baixos e a Dinamarca também estão a aplicar leis semelhantes e, em Portugal, estuda-se a possibilidade de fazer o mesmo.
Um estudo publicado no International Journal of Environmental Research and Public Health (IJERPH) foca os “potenciais riscos do uso de redes sociais por crianças e adolescentes”. As consequências identificadas pela equipa de especialistas em pediatria focam dimensões como uma pior saúde alimentar, estilo de vida mais sedentário, problemas com percepção da imagem própria e uma autoestima mais baixa. “Crianças e adolescentes que utilizam redes sociais durante muitas horas por dia também têm um maior risco de desenvolver problemas comportamentais, de cyberbullying, dificuldades de sono, grooming online e problemas oculares”, acrescenta a investigação.
Proibição de telemóveis na Escola. Solução ou novo problema?
A proibição do uso do telemóvel na escola é um tema em destaque neste início de ano letivo, motivando várias decisões e reações. Contamos-te tudo sobre este tema, partilhando ainda a opinião dos estudantes.
Independentemente das medidas concretas aplicadas, os autores do estudo publicado no IJERPH deixam uma recomendação: “A consciência pública e médica deve aumentar no que diz respeito a este tópico e devem ser encontradas novas formas de prevenção”.
Uma sugestão feita pelo neurocientista francês, Michel Desmurget, em entrevista ao Público, sugere a leitura em suportes físicos como uma das soluções para combater o uso excessivo dos ecrãs. Já Jonathan Haidt sugere que as crianças “saiam à rua”, para que sejam “independentes e brinquem no exterior com outras crianças, sem supervisão”.