São de perder a conta. Pela costa fora, as contas complicam-se quando tentamos enumerar o número de praias que emolduram o concelho de Peniche. Apesar do leque alargado, ditou o programa que este segundo dia da Semana Tanto Mar começasse na praia do Molho Leste. O bom tempo e o sol decidiram repetir a dose pelo segundo dia consecutivo.
Ainda assim, são poucos os que se aventuram pelas primeiras horas da manhã no areal. Poucos, leram bem. Poucos está longe de ser sinónimo de ninguém. Logo depois das nove horas, já a equipa Tanto Mar estava instalada junto a um mar que se avizinhava calmo e sereno, algo que se foi confirmando com o avançar das horas. A praia e o mar foram de tal forma marcantes no dia de hoje, que até esta reportagem começa a ser escrita e pensada com os pés na areia, ao som da euforia de quem pode mergulhar numa água com uma temperatura mais do que simpática.
Dificilmente as condições podiam ser melhores para cumprir o primeiro desafio do dia: stand up paddle. Depois do primeiro mergulho matinal, o areal até então pacífico encheu-se de um vaivém permanente de pranchas a chegar. Como professor de serviço, os 20 eleitos puderam contar – nada mais, nada menos – com a orientação de Leo Nika, um campeão da modalidade e fundador da Nika Paddle-Surf Camp.
Com a prancha e o mar aos seus pés, na imensidão do oceano Leo lá explica como é que um italiano veio parar a Peniche e por cá decidiu ficar até hoje. “Vim para Portugal e Peniche por causa de apenas uma coisa: o surf. Hoje continuo cá porque descobri outras tantas: as pessoas, a gastronomia incrível”, confessa.
Das primeiras orientações dadas por alguém que já há muito trata o mar por tu surgem sinais de entusiasmo, mas também certamente alguns pensamentos, que divagam algures entre o “Onde é que me vim meter?!” e o “Bora lá. Sem medos!”. Na verdade, aquilo que parece fácil tem uma mão cheia de etapas. “Se seguirem os passos todos, vão ver que é fácil”. Ficou o conselho dado.
O momento da ação
Antes de entrar no mar, é tempo do aquecimento. Margarida Rebelo é a cobaia de serviço. Quando é convidada a exemplificar as posições base a seguir, é praticamente instantâneo o quase pânico. “Mas vou já ter de ir para a água?”, solta a jovem. Um riso generalizado instala-se. A boa disposição é inegável. Lá chegariam pouco depois.
Enquanto parte do grupo entra na água, a outra metade troça, à distância, das primeiras quedas. Mas diga-se. Foram poucas. “A fasquia está elevada”, concluem os participantes que estão quase a entrar finalmente para o mar. Quando chega o momento de inverter os papéis, confirma-se que o desafio é exigente, mas não impossível de levar a bom porto. Com algumas quedas à mistura, o balanço é mais do que positivo. Até de Margarida: “Já tinha feito stand-up paddle algumas vezes, e esta foi mesmo incrível”.
Este segundo dia ficou ainda marcado pela mensagem e as lições que ficaram da equipa do Instituto de Socorros a Náufragos (ISN). Esta não é uma sigla estranha para os portugueses. Em todas as praias concessionadas já todos demos de caras com esta designação, nomeadamente na roupa que é usada pelos nadadores-salvadores. Aí está um dos objetivos principais deste organismo tutelado pela Direção-Geral da Autoridade Marítima: formar aqueles que, durante a época balnear, patrulham as praias portuguesas.
Mas o papel do ISN é muito mais amplo. Jorge Silva, sargento-chefe deste instituto, procurou explicá-lo, na conversa que antecedeu outro momento de viver a ação na primeira pessoa. Acima de tudo, ficou a mensagem mais importante do dia. “Numa situação de algum afogamento, o que é importante perceberem é que também vocês podem ter um papel. Nós fazemos a nossa parte. Mas também vocês devem fazer a vossa, nem que seja simplesmente alertando as autoridades. Estejam atentos”, sublinhou.
Claro que é difícil tentar imaginar o que é sentido por quem vive na primeira pessoa uma situação idêntica a um afogamento. São situações pontuais, mas longe de ser raras. “Conheço este mar de trás para a frente. Hoje isto parece uma autêntica piscina, mas já vivi histórias que nos fazem perceber que o perigo existe sempre, mesmo quando menos esperamos”. São palavras de Nuno, colega de Jorge na equipa do ISN de Peniche. A ele lhe coube a missão de mostrar aos 20 jovens que integram esta Academia o que acontece numa missão de socorro. De mota de água pronta, cada um dos participantes pode experienciar o que é estar praticamente em alto-mar, e ter de ser socorrido. A mensagem parece ter ficado.
O ingrediente que faltava: o Surf
Da lista enumerada, fica a faltar o último ingrediente: o Surf. Desta vez, as pranchas não saíram da escola. Esta modalidade que é tão cara à cidade, ou não fosse, ano após ano, palco de sucessivas etapas de vários campeonatos à escala mundial, marcou presença através de uma visita ao Centro de Alto Rendimento do Surf. Uma construção amiga do ambiente, perfeitamente integrada nas dunas, o ambiente sob o qual está construída, e que presta atenção a pormenores como até a eficiência energética do espaço.
Este local é escolhido por inúmeros surfistas e equipas nacionais e internacionais para passarem umas temporadas, a aprimorar a técnica e o engenho de uma arte que, apesar de imprevisível, requer uma preparação minuciosa, da preparação física aos pormenores mais técnicos. Tony, técnico da autarquia na área do Desporto, foi o mestre de cerimónias. E tinha uma curiosidade logo pronta a ser desfeita. “Esse paddle de manhã…correu bem?”, questionou. A resposta afirmativa parece ter sido consensual entre todo o grupo.
Para aguçar ainda mais a curiosidade sobre o quão compatível pode ser a relação Peniche-Paddle, ficou descoberta a curiosidade do dia: o campeonato nacional de stand-up paddle da Alemanha faz-se por estas marés. Da experiência que viveram pela manhã, é fácil perceber porquê. Talvez estes estudantes decidam voltar à região daqui a uns meses para repetir a dose. Por enquanto, há a certeza de que amanhã, seguramente, a trupe Tanto-Mar vai continuar a conhecer as redondezas.