O cheiro não deixa margem para dúvidas. Não aquele cheiro de quem já sente o aproximar de um bom prato de caldeirada ou outro prato típico de peixe, mas de quem sabe que o que está a sentir só pode ser o cheiro de peixe fresco, acabado de pescar e pronto a seguir viagem para os pontos de venda. Mas é injusto reduzir a visita que foi feita durante a manhã deste terceiro dia apenas a peixe, embora as embarcações e os homens que aqui passam grande parte da sua vida tenham histórias em número suficiente para ocupar várias horas ou até dias desta Academia com a marca Forum Estudante.
A parte naval
É por isso que a manhã foi aberta com uma visita ao Clube Naval de Peniche. São já várias décadas a apostar na formação jovem, e a disponibilizar aos mais novos, que aqui dão os primeiros passos em modalidades como a Vela, as melhores ferramentas para simplesmente se divertirem ou, caso seja essa a ambição, apostarem num percurso sempre em crescendo no universo da competição. Mas a atuação do Clube procura ir mais além, não ficando indiferente ao papel que também procura desempenhar na realidade local. Demonstra-o, por exemplo, o facto de todo o peixe que é pescado em atividades como a pesca subaquática ser distribuído por instituições de solidariedade social do concelho.
Na parte da vela, Diana Saudade é mais do que especialista. É uma verdadeira glória da casa. Desde os sete anos, este é o seu porto de partida no que à prática da Vela diz respeito. Foi aqui que desenvolveu o gosto, aprimorou os primeiros pormenores técnicos e viveu as primeiras competições.
Depois de uma temporada no estrangeiro, voltou ao Clube de Naval de Peniche há sete anos, onde agora tenta passar o gosto e ensinar o jeito aos estudantes, através do Desporto Escolar. Cada embarcação tem as suas manhas, e é quase impossível desvendá-las a todas em apenas uma sessão.
Com uma embarcação como pano de fundo, os 20 aventureiros desta semana tentaram apanhar tantas quanto possível. Não ondas. Talvez um dia, motivados pela inspiração da manhã.
A inspiração e os ensinamentos também vieram da parte de João José, Diretor de Investigação e Ciência da Federação Portuguesa de Atividades Subaquáticas. Já com um olho naquela que vai ser a atração principal do penúltimo dia, ficaram dadas as dicas mais importantes a ter no Batismo de Mergulho. Como usar a garrafa, como descer em profundidade ou até como manusear o conjunto de cabos e mais cabos que garantem o oxigénio permanente.
“Então, mas essa garrafa dá para aguentarmos quanto tempo dentro de água?”, ouve-se entre quem já consegue imaginar a experiência que se avizinha inesquecível, quando mergulharem na profundidade do arquipélago das Berlengas. “Fiquem descansados que uma garrafa de oxigénio destas dá para aguentar mais de uma hora, e o batismo é bem mais curtinho”, esclarece-se entre risadas. Conselhos assimilados, e medos, desde já, acalmados. Até chegar a hora H, pelo menos.
Do mar ao negócio
É também no Porto de Peniche que se encontram provas bem claras do dinamismo que o mar consegue trazer à economia da região. Ao visitarem os espaços onde, dia após dia, muitos trabalhadores empenham o seu trabalho, estes jovens, oriundos de todo o país, conseguiram perceber que por estes lados o sucesso que se respira não é um mero acaso do destino.
Dos negócios mais inovadores, como é o caso da SEAentia, uma start-up que aposta na produção em aquacultura de corvina, a uma unidade de tratamento de pescado sob a alçada de empresas como a Omnifish, a curiosidade e a vontade de saber mais tornam-se dominantes.
Esse espírito sente-se particularmente assim que se entra na Omnifish, cumprindo todos os protocolos a que qualquer funcionário tem de obedecer. Aqui sim. O cheiro a peixe está mais do que entranhado nas várias salas e corredores de uma empresa que emprega mais de 80 trabalhadores.
O dia é de muito trabalho, mas nem por isso Carina Fonseca, responsável pelo departamento de qualidade, tira alguns minutos do seu dia para esclarecer e empolgar ao máximo a curiosidade destes jovens. O destino final de todo este peixe, já tratado e pronto a chegar às cozinhas de Portugal e do mundo, está há muito identificado: as grandes superfícies comerciais de todo o país.
Por todo o lado acumulam-se caixas e caixas do mais variado tipo de peixe, que não para de chegar. Sente-se a azáfama entre quem procura adiantar o máximo de serviço, e já conta com umas boas horas de trabalho em cima do corpo. Vive-se o fascínio por parte de quem descobre peixe e mais peixe, e até espécies desconhecidas, pescadas mesmo aqui ao lado ou em zonas como a Mauritânia ou Marrocos.
Talvez a curiosidade justifique o porquê de as perguntas quase se atropelarem umas as outras, num entusiasmo que seria difícil de imaginar lá fora quando esta visita era ainda uma miragem. Até já de preferências gastronómicas se fala. Uns mais amantes de pargo, outros mais fãs de uns bons jaquinzinhos fritos – acompanhado por um arroz de tomate bem solto, claro.
Pelo meio, uma confissão inesperada para quem já quase trata todas as espécies e mais algumas por tu. “Eu que trabalho com peixe todo o dia, não é que não consigo comer sardinhas e carapaus?! É mesmo verdade”. Pela rápida sondagem, Carina Fonseca parece ser a única.
As emoções também falam
Falar de peixe e mar é também de falar de memórias que se recuperam quando menos se espera. E emoções. Feito o rescaldo, foi essa parte que falou mais alto na ida à Doca Pesca. É verdade que são 24 lotas e 35 pontos de venda à escala nacional. Muitos milhares de toneladas comercializadas. Peixe que parte para todos os cantos do mundo, e que, ainda acabado de sair do mar, já no dia seguinte está prestes a fazer as delícias de quem se encontra no outro lado do oceano.
Barcos a chegar, barcos a partir, com pescadores cujas rugas não escondem as décadas passadas à mercê do Sol de inverno e verão. Muito burburinho, numa plateia repleta que procura comprar o peixe mais fresco ao melhor preço. Mas o que ficam são as pessoas. E a deste dia tem um nome e um rosto. Dona Lígia, mais de 40 anos ao serviço da Doca Pesca. Faz parte desta Academia desde o primeiro momento, e recebeu, edição após edição, os mais de 500 jovens que já viveram esta experiência.
Lígia vive o último mês de trabalho, nesta que foi a sua segunda casa durante quatro décadas. Sente-se o embargo na voz quando começa a falar, que vai diminuindo à medida que percorre os quatro cantos do espaço e se cruza com os colegas de sempre. A terminar, o embargo dá lugar às quase lágrimas que teimam em esconder-se por detrás da escuridão das lentes dos óculos de sol. O aplauso a muitas mãos é a machadada final.
Depois disso, o espírito do grupo teve quase duas horas para se recompor, com direito a um workshop em que os nós foram a figura central. Com mais ou menos jeito, lá se viram alguns bem seguros por entre as mãos algo desajeitadas. A fechar o dia, o empreendedorismo e a inovação voltaram a ter palco numa sessão em que, mais uma vez, o mar esteve sempre presente. E tubarões. E com uma dose inesperada de histórias que soltaram risadas permanentes numa sessão já pela noite dentro. João Correia, docente na Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar, parece ter sido a escolha mais do que certeira para terminar o dia da melhor forma, com a moral lá bem em cima.
Qual é a paixão da sua vida? Tubarões. E foi essa paixão que guiou uma vida cheia de insistências e histórias que merecem ser ouvidas na primeira pessoa. Até que a Flying Sharks viu a luz do dia. As mil e uma histórias e episódios caricatos contados foram inúmeros e são irreproduzíveis nesta reportagem.
Tudo aquilo que se possa tentar escrever não é suficiente para descrever o carisma de alguém que cativou toda uma plateia do primeiro ao último minuto. Mas que também deixou uma mensagem que parece ter sido aprendida da melhor forma. “Tentar, tentar e tentar não custa. O pior que vos pode acontecer é ficarem com umas quantas histórias para contarem mais tarde”. E sem estigmas e rótulos. É por isso que João Correia é professor, empresário… e aspirante a comediante de stand-up, por exemplo. E outras 1000 coisas. Tal como as histórias que coleciona são muitas, também as que ficam deste dia parecem nunca mais acabar.