Comecemos com algo polémico. Bateu realmente na sua mãe, depois da batalha de São Mamede, em 1128?
Creio que o facto de ser essa a vossa primeira questão é bastante ilustrativo do problema que temos em mãos. É um facto que lutei contra as tropas dela pela nacionalidade, mas a minha mãe, depois de perder a batalha, viajou até à Galiza sem problemas. As pessoas é que inventaram essa história de “bater na mãe”. O que mostra como a masculinidade tóxica atravessa até quase 1000 anos de história.
Esse é um comentário interessante. Devemos assumir que D. Afonso Henriques é woke?
Não sei o que querem que vos diga. É woke achar-se que não se deve bater na mãe? Se sim, então sou. Podem juntar aos meus cognomes – “o Fundador”, “o Conquistador” e agora D. Afonso Henriques, “o Woke”. Enfim, não é fácil ser um símbolo nacional, sinto que fui utilizado e instrumentalizado por vários projetos políticos.
“É woke achar-se que não se deve bater na mãe? Se sim, então sou. Podem juntar aos meus cognomes – “o Fundador”, “o Conquistador” e agora D. Afonso Henriques, “o Woke””
D. Afonso Henriques, 1º Rei de Portugal
Pode dar-nos alguns exemplos?
D. João I destacou-me logo como líder militar. D. João IV utilizou a minha imagem na Restauração. Mais recentemente, a ditadura do Estado Novo também usou a minha figura para projetar a ideia de força. Sempre tudo ligado a guerras, conquistas, espadas, violência. Tenho esbanjado fortunas em psicólogos. No meio disto tudo, será que conta mesmo o que eu sinto?
E o que é que sente?
Que espero que tenha tomado as decisões certas. O meu psicólogo diz-me que devia ver Os Sopranos. Que o protagonista é um homem embrenhado num mundo violência de que não consegue escapar, com todas ramificações que daí nascem. Mas não sei. Acho que vejo a masculinidade de maneira diferente. Se deixarem de me ver como um brutamontes que bate na mãe, talvez isso já seja um começo.