A primeira questão terá de ser esta. Algumas das histórias que conta em “Peregrinação” são mentira?  

Essa palavra: “mentira”... Sabes que não gosto muito desse tipo de palavras, percebes? Prefiro a expressão “factos alternativos” para falar das minhas aventuras. Quer dizer, o que é que é a mentira, não é? E, tipo, o que é que é a verdade? São coisas muito subjetivas e por isso...


[interrompe] Bem, neste caso, a pergunta é objetiva. Viveu mesmo todas as aventuras que conta na sua obra que envolve piratas, naufrágios, prisões, tesouros e muito mais? 

Pá, é assim, isto é tipo as redes sociais, estás a ver? Hoje em dia, sou influencer e é um trabalho incrível. Acho que inspiro pessoas todos os dias e sinto-me mesmo blessed. E nós, quer dizer, mostramos a realidade. Mas é uma parte da realidade, tipo, há filtros que usamos e crops que fazemos, claro. Mas, no final, não podemos dizer que é mentira.

 


«Podes acreditar no que quiseres. Não vou ser eu a dizer-te “isto é preto” ou “isto é branco” ou “isto é um otomano pronto a fazer-te prisioneiro e vender-te a um mercador grego"»
Fernão Mendes Pinto 




Pelo que estamos a perceber, nem tudo será verdade em “Peregrinação”...      

É assim, eu acho que podes acreditar no que quiseres, estás a ver? Tipo, não vou ser eu a dizer-te “isto é preto” ou “isto é branco” ou “isto é um otomano pronto a fazer-te prisioneiro e vender-te a um mercador grego”. De qualquer forma, penso que essa obsessão com a verdade não é saudável. Pá, é um livro, percebes? Não é um live ou um stream ou assim. É suposto estimular a imaginação. 


O que é que o levou a escrever esta obra? 

Olha, durante muitos anos acharam que eu era um grande mentiroso. Toda essa história do “Fernão, Mentes? Minto”, não é? Aliás, as perguntas que me estás a fazer mostram que essa ideia ainda existe. Mas acredita que eu escrevi estas histórias com um único objetivo: deixar aos meus filhos um relato das aventuras por que passei, mostrando também um mundo novo que conheci. E dar a conhecer a forma como as pessoas se comportavam. Simples. Estes são os factos que tanto vos parecem preocupar, okay? Straight Facts. A partir daí, cada um acredita no que quiser.               

                                        

Fernao Mendes Pinto

                                             

É justo. E qual considera ser o seu legado?  

Basicamente, eu inaugurei a literatura de viagem em Portugal. Só. Hoje em dia, é tudo muito fácil,  não é? Tipo, dás três toques no rectângulo mágico que levas no bolso e já está – do outro lado do Mundo, alguém passa a conhecer uma nova realidade, a saber o que por lá acontece, de que forma uns fazem fortuna, de que forma outros tudo perdem. Agora, tenta fazer isto há mais de 500 anos, com uma pena e um pergaminho. Não, a sério. Estás a vontade para tentar. Tenho tempo. Só vou ter um Q & A com seguidores depois de jantar.