Boa tarde, caro José. Há alguma razão em particular para o encontrarmos junto à estátua de Santo António?
Muito simples. Estou aqui devido à minha primeira aparição pública, em junho de 1875, numa caricatura publicada no jornal A Lanterna Mágica. Com a ajuda do ministro Serpa Pimentel, levaram-me três tostões de esmola para o Santo António. Quem se trama é sempre aqui o Zé, não é? Mas agora tudo vai mudar, vou começar uma carreira política. [Para megafone] Eles até tremem!
É curiosa essa sua nova atitude. O Zé Povinho sempre foi conhecido por representar um povo português que, embora revoltado, não cria propriamente soluções a partir dessa revolta…
[interrompe] Pois, está bem, mas muita coisa mudou, desde que o Rafael Bordalo Pinheiro me criou. Quer dizer, eu continuo igual. Hoje, por aquilo que vejo, o mais importante é mesmo a revolta, as soluções isso depois logo se vê. A gente desenrasca-se, não é? Se não der de uma maneira, lá fazemos as coisas de outra. A política também é isto.
A política marcada pela ausência de soluções e pela instrumentalização da revolta? Não será isso o que chamam de “populismo demagógico”?
Ora aí está! Já cá faltava a imprensa mentirosa e manipuladora, sempre pronta a virar a opinião pública contra quem diz as verdades. É por isso que o meu movimento política vai crescer sem parar. Não ponho de lado uma candidatura à Presidência da República! [Fala para megafone] "Querem-me silenciar! Mas eu não deixo!".
Parece-nos que, para quem está a ser silenciado, está a fazer bastante barulho…
Eu faço barulho, mas continua tudo igual. O meu criador dizia que eu olho para um lado e para o outro e tudo fica na mesma. E dizia também que eu sou um poço de contradições: sou resmungão, insolente e furioso, mas também solidário, humilde e compassivo. Digam-me lá se isto não são as características ideais para o líder de um país?
Não dá para escolher só a última parte?
[Manguito]