À medida que a hora marcada para o início do encontro se aproxima, mais e mais camisolas negras são visíveis junto à entrada da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. Em todas, um número chama a atenção de quem olha: 466/64. Este foi o número de prisioneiro de Nelson Mandela, desde o início da sua detenção, em 1964, até à sua libertação, 26 anos depois. O antigo presidente da África do Sul é uma das personalidades que inspira a filosofia que está na base da metodologia do projeto Escolas Ubuntu, que hoje realizou o seu terceiro encontro nacional, em Lisboa.

“Usar este número tem um significado grande para mim”, explica, ainda antes do início do evento, Bruna, estudante de 14 anos que veio de Tomar para participar no Encontro Nacional de Escolas Ubuntu. “Mandela foi um grande homem que inspirou muitas pessoas”, conta, revelando que participar no projeto Escolas Ubuntu a “ajudou muito a crescer, ao ensinar a ajudar os outros”. A seu lado, a colega de escola Francisca, de 13 anos, acrescenta: “Este projeto abre mentalidades e isso tem várias consequências, nomeadamente na nossa visão do mundo”.

 

 

Liderar ao serviço dos outros

Tornar os estudantes agentes de mudança ao serviço da comunidade que “ajudem a construir sociedades mais inclusivas, justas e solidárias” é uma das ideias-chave do projeto de capacitação Academia de Líderes Ubuntu – Escolas Ubuntu, a iniciativa do Instituto Padre António Vieira (IPAV) que visa desenvolver e promover as competências pessoais, sociais e cívicas dos educadores e alunos participantes. O programa tem ainda uma dimensão internacional, estando já presente em 190 países de todo o mundo.

A Academia de Líderes Ubuntu conta com a participação de estudantes do ensino básico, secundário e profissional e é desenvolvida a partir do modelo de liderança servidora, tendo como inspiração figuras como Nelson Mandela, Martin Luther King ou Malala Yousafzai. Por essa razão, o programa inclui um enfoque especial nas capacidades para a liderança ao serviço das comunidades, desde logo, da comunidade educativa. “Carregam nas vossas t-shirts a responsabilidade de serem herdeiros do legado de Mandela”, destacou, durante a sessão de abertura, o presidente do IPAV, Rui Marques.

 

Um dia "muito especial"

Assim soaram os primeiros acordes do genérico que iniciou a sessão, no Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian, as mais de 1200 pessoas presentes na sessão aplaudiram com entusiasmo. Os participantes neste dia são alguns dos estudantes e professores das cerca de 400 escolas de 150 concelhos que já aderiram ao projeto Escolas Ubuntu. “É emocionante ver tantos participantes reunidos”, destacou uma das responsáveis pelo projeto, durante o acolhimento aos participantes.

“Hoje é um dia muito especial”, começou por destacar o Presidente do IPAV, Rui Marques: “Aqui se reúne uma comunidade em construção que, ao longo dos últimos 10 anos, tem feito o seu caminho”. Destacando o compromisso da Academia de Líderes Ubuntu com a educação para a cidadania, a promoção do sucesso escolar e o desenvovlimento de competências socioemocionais, Rui Marques sublinhou a forma como o programa entende a humanidade como “uma só família” – “Somos braços da mesma árvore, como dizia Mandela”.

 

 


«Hoje é um dia muito especial. Aqui se reúne uma comunidade em construção que, ao longo dos últimos 10 anos, tem feito o seu caminho. Somos braços da mesma árvore, como dizia Mandela»
Rui Marques, Presidente do Instituto Padre António Vieira (IPAV)


 

 

“Enchem-nos o coração ao encher o nosso grande auditório”, revelou o administrador executivo da Fundação Calouste Gulbenkian, Guilherme d’Oliveira Martins, antes de antever o crescimento deste projeto: “cerca de 400 escolas em todo o país vão desenvolver, durante os próximos anos, esta metodologia”. “O evento de hoje marca este passo de ligação desta iniciativa como sendo de Educação para todos”, acrescentou.

 

“Eu sou porque tu és”

A alusão de Guilherme d’Oliveira Martins diz respeito ao protocolo de colaboração entre o Escolas Ubuntu e a Direção-Geral de Educação (DGE) que foi assinado ontem. O acordo surge no seguimento de um outro protocolo assinado com a Ordem dos Psicólogos Portugueses, no final do mês passado.

Presente no evento, o ministro da Educação Tiago Brandão Rodrigues destacou a importância desta colaboração com um programa que "acontece nas escolas mas vai muito para além dos seus muros". O programa deverá envolver 30 mil estudantes até ao final do presente ano letivo, revelou Rui Marques, durante a sua intervenção.

 

 

Para o secretário de Estado da Educação, João Costa, presente no evento, a frase basilar deste projeto - “Eu sou porque tu és” - sintetiza algumas das principais preocupações do Governo na política educativa. “A Escola tem a missão de nos capacitar para uma cidadania plena”, explicou. Fazendo referência ao programa Escola+ e ao Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, João Costa destacou o objetivo de fazer com que “as escolas signifiquem cada vez mais e mais na vida dos alunos”.

Também o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, através de uma mensagem de vídeo gravada, partilhou a sua satisfação pelo facto do Ministério de Educação ter integrado esta iniciativa no seu projeto educativo. Destacando os resultados "muitíssimo positivos" alcançados, o Presidente da República destacou que a metodologia poderá agora beneficiar com o aumento de dimensão: “Este é um começo de uma outra fase – a projeção nacional alargada. Que este encontro seja o começo de um novo caminho, de uma dimensão nacional para o espírito Ubuntu”.


 

O que foi vivido

O encontro de ontem incluiu um momento de partilha, com o testemunho na primeira pessoa de estudantes, educadores e dirigentes que já passaram pela Academia de Líderes Ubuntu, Clubes Ubuntu ou Semanas Ubuntu – cinco dias de atividades dinamizadas em contexto escolar, durante o período letivo, pela equipa de educadores.

 

Academia de Líderes Ubuntu nas escolas. Tornar os estudantes agentes de mudança


O projeto Academia de Líderes Ubuntu – Escolas Ubuntu trabalha com estudantes do ensino básico, secundário e profissional, criando líderes ao serviço das comunidades. Sabe tudo sobre esta iniciativa do Instituto Padre António Vieira (IPAV) que já envolveu em contexto escolar mais de 2600 jovens e 550 educadores. 


 

 

 

“A Semana Ubuntu foi a melhor semana que tive na minha vida escolar”, contou Diogo, um dos estudantes participantes, antes de uma das outras alunas, Leonor, partilhar a sua experiência: “Esta semana ajudou-me a perceber que somos a geração do futuro e que, se não fizermos mudanças, ninguém as irá fazer”. Do lado dos dirigentes e educadores, foi realçado o impacto do programa no sucesso dos projetos educativos, bem como a importância do envolvimento de toda a comunidade educativa num esforço coletivo.

Outra das principais presenças no Encontro Nacional de Escolas Ubuntu foi a de Doaa Al Zamel, refugiada síria que tem vindo a partilhar a sua história de vida, como forma de alertar a sociedade para a morte de milhares de pessoas que, tal como ela, procuram chegar à Europa. Ao longo do últimos sete anos, 22.842 pessoas morreram ou desapareceram no Mar Mediterrâneo quando procuravam chegar à Europa, de acordo com o Missing Migrants Project da Organização Internacional para a Migração. "Quero agradecer à equipa da Academia Ubuntu que nos tem ajudado e que está aqui para vos ajudar também", concluiu Doaa Al Zamel.